A história da mulher que viveu por muitos anos em uma van fedorenta foi levada aos cinemas pelo dramaturgo britânico Allan Bennet (que primeiro a adaptou para o teatro) em parceria com o diretor Nicholas Hytner        Fotos: Divulgação
A história da mulher que viveu por muitos anos em uma van fedorenta foi levada aos cinemas pelo dramaturgo britânico Allan Bennet (que primeiro a adaptou para o teatro) em parceria com o diretor Nicholas Hytner Fotos: Divulgação

Quem não tem van vive na areia

DaniPrandi_0188c_500As primeiras horas da manhã revelam o que o meio-dia esconde nas areias de Copacabana. Sem guarda-sol, barracas e cadeiras, o cenário reúne dezenas de sem-teto que fazem da praia a sua moradia. Uma senhora, desconfiada, trata de proteger seus pertences enquanto os primeiros caminhantes cruzam o seu “quintal”. Na noite anterior conferi o filme “A Senhora da Van”, e é impossível não fazer associações.

No longa, “baseado em fatos mais ou menos reais”, como é informado logo no início, acompanha-se o drama da senhora Sheperd, interpretada com a mesma maestria de sempre pela veterana atriz britânica Maggie Smith. A senhora do título é uma sem-teto, ou melhor, ela tem um teto, uma van, que estaciona em trechos aqui e ali no bairro de Camden Town, na Londres dos anos 1970.

Esqueça toda a pompa, a riqueza e o luxo da “duquesa viúva” da série inglesa de TV Downton Abbey, que Maggie Smith viveu tão plenamente nos últimos anos. Mas vale destacar que a maltrapilha senhora Sheperd, porém, tem a língua ferina tanto quanto, mas por razões bem diferentes.

 

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Maggie Smith faz a maltrapilha senhora Sheperd, que em nada lembra a “duquesa viúva” da série Downton Abbey

 

Em grande parte verídica, a história da mulher que viveu por muitos anos em uma van fedorenta inspirou o dramaturgo britânico Allan Bennet (no filme interpretado por Alex Jennings), que levou a história primeiro ao teatro. Em parceria com o diretor Nicholas Hytner, com o qual já havia trabalhado anteriormente em duas adaptações de suas peças para a telona (“As Loucuras do rei George”, de 1994; e “Fazendo História”, de 2006), a história chegou ao cinema com alguns trunfos.

O primeiro, é óbvio, é a própria presença de Maggie Smith, indicada seis vezes ao Oscar, em mais uma de suas brilhantes atuações. Mas a maneira como o dramaturgo Allan Bennet se desdobra naquele que vive e naquele que escreve é um grande achado. O personagem vira dois, literalmente, e os “gêmeos” se embatem em discussões saborosas, cheia de referências literárias, excentricidades e, é claro, todo aquele jeito “very british” de ser – ou não ser.

“The lady in the van” (o título original) é recebida pelas famílias do bairro de maneira cortês, até piedosa, mas não deixa de ser irônico observar que, para muitos ali, ela poderia ficar, desde que não fosse em frente de suas casas.

Até que o dramaturgo, que já usava sua própria mãe como fonte de inspiração, vê naquela nova personagem uma oportunidade. Descobrir a sua história, ou quem sabe inventá-la, o move, apesar dos conflitos que envolvem aceitar uma mendiga na sua porta. E o pior: deixá-la entrar em sua vida.

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Maggie Smith, indicada seis vezes ao Oscar, está em mais uma de suas brilhantes atuações no filme

 

Por fim, por flashbacks descobre-se quem era a senhora Sheperd e como ela acabou ali, na garagem de Bennet. Ex-freira, ex-pianista, estacionou a van para ficar três meses, mas ficou 15 anos, enquanto guardava um grande segredo.

De volta à praia…

Refugiados nas areias, quanto tempo ainda ficarão ali, com o sol e o sal a castigar? Quem teria uma garagem para que eles pudessem estacionar? No retorno da caminhada, a mesma senhora de olhar desconfiado já começou a “arrumar a casa”. É hora de lavar as roupas, e água salgada é tudo o que tem.

Trailer:

Sobre Daniela Prandi

Daniela Prandi, paulista, jornalista, fanática por cinema, vai do pop ao cult mas não passa nem perto de filmes de terror. Louca por livros, gibis, arte, poesia e tudo o mais que mexa com as palavras em movimento, vive cada sessão de cinema como se fosse a última.

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