Foto Martinho Caires
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Plano Diretor – Que cidade queremos?

rita-amoroso_161206_006_400x400As reuniões começaram entre os conselhos, as comissões temáticas, os sindicatos, instituições, ONGs. e movimentos sociais. Ainda que pareça tímida, esta engrenagem começou a se movimentar convocando a população para participar desse momento final da revisão do Plano Diretor de Campinas.

Mas para que possamos realmente participar desse momento é necessário se inteirar e entender o diagnóstico que vem sendo apresentado pela Prefeitura de Campinas (campinas.sp.gov.br/governo/seplama). Faz-se necessário que não apenas os técnicos, mas a população tenha conhecimento da responsabilidade e da importância do assunto a ser tratado.

É preciso entender que não podemos mais assistir Campinas se desenvolver sem diretrizes ligadas a um plano estratégico que contemple nossas necessidades: principalmente, precisamos resolver problemas que foram desencadeados décadas atrás e que moldaram um território configurado por uma cidade espraiada onde, além de vários vazios urbanos, encontram-se áreas que foram deixadas sem função entre áreas totalmente urbanizadas, muitas com projetos já definidos, mas que não foram implantados. Também existem vários espaços públicos deteriorados e com pouca acessibilidade oferecida ao pedestre, em especial a idosos, crianças e deficientes.

Afinal, será que agora teremos realmente um plano diretor a altura da cidade e de seus cidadãos? Em outras palavras: será que aquilo que será aprovado vai servir para termos a cidade que queremos?

Neste sentido, a pergunta a se fazer também é: “O que queremos?”.

Creio que cada vez mais estamos percebendo nossas cidades saturadas de carros, guetos segregados de uma vivência plena e espaços públicos abandonados, aonde vem se consolidando ocupações sem um projeto urbanístico de qualidade.

Assim, precisamos solucionar os problemas provocados por uma malha viária incompleta e, muitas vezes, sem conectividade, formada por ruas, avenidas e até mesmo estradas que apenas “existem”. Estas mais parecem pensadas para o “carro” ser feliz, e não os seres humanos que ali “vivem” – e digo viver porque convivência é outra coisa: não se consegue convivência saudável numa cidade que vai se deteriorando através de realidades com estas.

Foto Martinho Caires
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O abandono dos espaços públicos históricos e centrais implica seu quase total desaparecimento da vida social, pois nestes espaços, antes cheios de vida, as pessoas não mais se encontram para discutir política, contar histórias, ver seus filhos brincando nas ruas, bater papo. Saídas de trabalho e de escola, universidades e moradias levaram a um deslocamento do convívio para novos espaços privados (criados, agora, com mais “segurança”), o que está esvaziando tais antigas e riquíssimas áreas de convivência e integração – e também envolvendo as áreas privadas em mais segregação e exclusão.

Essas áreas públicas, hoje desativadas de vivência pública, geram um clima de medo e insegurança, afastando os moradores que sempre foram responsáveis pela vitalidade desses locais.

Precisamos acordar para o fato de a população estar envelhecendo, de existirem crianças e adolescentes que não sabem viver em ambientes abertos estimulantes e também seguros, onde a convivência estimula o desenvolvimento e a socialização: Onde eles deverão ficar? Em casa? Em condomínios fechados e/ou nos shoppings? Novamente devemos nos perguntar: Essa é a cidade que queremos? Ou por acaso não seria o contrário?

Esses espaços deixados “para trás” já possuem toda a infraestrutura necessária para reabrigar inúmeros tipos de vivência, bastando reabilitá-los e requalificá-los. Assim, é urgente pensar numa cidade onde o pedestre seja privilegiado e as centralidades, as moradias, as creches e os hospitais estejam mais próximos de trabalho, a fim de acabar com o atual stress de deslocamento na vida do cidadão e sanar os impactos negativos de um sistema viário que sempre apresenta soluções rápidas e paliativas para regrar seus congestionamentos.

Não seria importante nos voltarmos mais para a valorização da melhoria do transporte público e de suas redes de conectividade, a fim de atender aos interesses coletivos e não aos “privilégios” dos carros que circulam, no mais das vezes, com uma única pessoa.

A cidade que todos queremos necessita de ações urgentes voltadas à mobilidade sustentável, multimodal e integrada, priorizando o transporte de massa ao transporte individual, desenvolvendo um plano integrado entre ciclovias, trem metropolitano, VLT, BRT – sem falar na recuperação de seu patrimônio ferroviário, um dos mais importantes do Estado.

Acredito que todos sonham em ter acesso a um transporte de qualidade. O carro vem sendo ainda muito utilizado devido ao fato de não termos outras opções, mas isso não tem que ser assim. Precisamos requalificar nossos espaços públicos com projetos urbanos que atendam nossas demandas de inclusão social. O projeto urbanístico correto valoriza os locais degradados e mal utilizados.

Hoje ainda estamos utilizando uma lei de uso e ocupação do solo defasada e desrespeitada, a qual foi proposta em 1988. Essa lei vigente não nos permite adentrar o futuro, apesar de estarmos na segunda década do século XXI.

Foto Martinho Caires
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A cidade do futuro está destinada a ser uma cidade compacta e multifuncional – coisa que a nossa ainda não é – que priorize o fim da segregação existente entre o interesse popular e as industriais, os serviços e os comércios, ou seja, em vários setores onde tal segregação está fortemente retratada em seu zoneamento.

Não podemos esquecer que Campinas possui importantes universidades, além de seu parque tecnológico estar aumentando com grandes centros de pesquisa, detentora ainda do maior e mais estratégico aeroporto do Brasil na atualidade, Viracopos. Tais áreas precisam estar claramente definidas, o que necessitam também para ter eficiência em moradias, serviços, etc.

Importante lembrar que Campinas possui seu entroncamento viário localizado dentro de uma das malhas mais importante do país, o que polariza um crescimento e uma demanda maior de soluções agregadas a seu crescimento e desenvolvimento.

O que tudo isso significa?

Significa que precisamos mudar nossa maneira de pensar, partindo para aprovar um planejamento estratégico urbano/rural que faça uso dos mais modernos instrumentos urbanísticos existentes dentro do Estatuto da Cidade, como, por exemplo, o instrumento das parcerias público/privada, dos marcos regulatórios integrados e atualizados, e assim por diante. A urbanização planejada tem a capacidade de agregar valores e gerar retorno transformando a cidade para que possua oportunidades reais.

Não temos a tradição de planejar nossas cidades, deixando seu crescimento “acontecer” e, depois, correndo atrás de prejuízos com soluções muitas vezes pontuais e falsamente corretas. Isso nos faz eternamente iniciadores de propostas, no mais das vezes, feitas de improviso frente os problemas da cidade, não havendo, portanto, nem comprometimento nem continuidade de gestão.

Há necessidade de se criar um Instituto de planejamento, de caráter exclusivo, para apontar essas áreas e sinalizar as intervenções necessárias (falaremos mais sobre este Instituto em breve).

A urbanização planejada e estruturada é possível quando se pactua com seus diferentes atores urbanos/rurais, ou seja, entre os âmbitos públicos e privados, mas diretamente com a sociedade civil, utilizando os instrumentos urbanísticos adequados para transformá-la em uma cidade de oportunidades .

Esta minha colocação urbano/rural serve para enfatizar que, sempre que se fala em cidade e instrumentos urbanísticos, devemos lembrar de que a expansão se dará no território com a sobreposição dos novos limites sobre suas áreas rurais, implicando que, se não for bem planejado, um efeito devastador será gerado, principalmente em relação ao meio ambiente.

Muitas das áreas rurais existentes no município de Campinas são ainda formadas por grandes extensões de terras, produtivas ou não, ricas em história e tradições, inclusive vernaculares (pouco estudadas), hoje esquecidas – mas “esquecidas” pelos planejadores. As áreas rurais campineiras nunca foram lembradas e consideradas pelo valor que possuem.

Foto Martinho Caires
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Sabemos que algumas cidades como Curitiba – que hoje tem seus limites expandidos até o final de seu território, sem distinção de área urbana ou rural – conseguiu definir essa expansão urbana graças à existência de um planejamento eficiente pautado em projetos urbanísticos de preservação da qualidade de vida para seus cidadãos. Será que nosso Plano Diretor contempla adequadamente tal proposta?

Para seguirmos o conceito de cidade sustentável, precisamos estar com leis claramente definidas para propor o plano de preservação de seu patrimônio cultural e ambiental. Esse plano de preservação deverá contemplar instrumentos de salvaguarda para suas paisagens culturais, estabelecendo limites bem definidos entre o que se deve preservar e o que se deve disponibilizar para o mercado. Contudo, essa elaboração deverá ser precedida por um inventário sério e criterioso, pois não podemos mais trabalhar com os “achismos” na hora de salvaguardar nossa história e nossa qualidade de vida.

Não há problema em disponibilizar áreas para o mercado, desde que se pactuem estratégias necessárias à preservação do que resta de patrimônio cultural e ambiental dentro do município de Campinas. O que há é o ônus e o bônus, e isso deve entrar nas discussões entre todos os atores do processo.

Não estamos inventando conceitos novos, uma vez que isso já vem acontecendo em várias partes do planeta. Precisamos ter consciência de que, à medida que a população cresce, devemos ser mais solidários e trabalhar mais pelo coletivo, compartilhar nossos espaços e aumentar a socialização, para não morrermos de solidão em meio À multidão.

Devemos preservar a paisagem, o bem morar, bem trabalhar, bem circular, enfim, o conviver e viver bem no sentido mais amplo de seu conceito, como muito se fala nos discursos sobre “qualidade de vida”, e para que esta sirva para todos os municípios.

A Prefeitura de Campinas disponibilizou em seu site, especificamente dentro da secretaria de planejamento e urbanismo, os documentos referentes ao Plano Diretor. Aconselho a todos começarem a fazer a leitura dos mesmos para se inteirarem do assunto e estarem preparados para os debates através de articulações e de propostas.

Estaremos agora intensificando nossas notícias sobre o Plano Diretor a fim de fomentar as discussões e trazer informações. O importante é a participação da sociedade, para viabilizar a cidade que todos queremos.

Sobre Maria Rita Amoroso

Arquiteta Urbanista amante da arte, da cultura e da vida. Campineira de nascimento, mas com DNA mineiro que faz o sangue ferver ao ver montanhas, rios, casarios, ruas e gente. Fervura de amor, e se preciso de luta por essa gente que sente, que fala, que ri, que chora, que vive e se percebe e se emociona como as cidades que possuem vida porque tem pessoas. http://mariaritaamoroso.com.br

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3 comentários

  1. Prezada Neliane

    Agradeço o interesse e vamos avançando com as discussões .
    A participação da sociedade civil é muito importante junto com a de todos os outros segmentos .
    O Plano Diretor é a chave para conseguirmos usar corretamente os instrumentos existentes no Estatuto da Cidade (2001) .
    No próximo texto falarei dos Instrumentos existentes no Estatuto da Cidade .
    grande abraço
    Maria Rita Amoroso

  2. Parabens pela iniciativa!! Abcs

  3. Muito boa a iniciativa. Parabens. Estaremos colaborando na medida do possivel! Obrigada! Neliane