Um protagonista que vive "no mundo da lua"
Um protagonista que vive "no mundo da lua"

A comédia da (in)tolerância em “Más Notícias para o Sr. Mars”

DaniPrandi_0188c_500O mundo pede tolerância, mas a realidade não deixa dúvidas de que a intolerância ganha territórios. “Más Notícias para o Sr. Mars” (Des nouvelles de la planète Mars), comédia franco-belga com direção de Dominik Moll, é justamente sobre tolerar. Ou até onde se pode ir. O vizinho deixa as sujeiras do cachorrinho em frente da sua casa? O chefe faz assédio moral? Os filhos te ignoram? A ex-mulher é uma folgada? A irmã é mais folgada ainda? Nada afeta o protagonista, Philippe Mars, interpretado com muito carisma pelo ator belga François Damiens.

No original, o filme se chama “Notícias do planeta Marte” e faz um trocadilho com o sobrenome do protagonista, “Marte”, um sujeito de 49 anos que prefere viver “no mundo da Lua”. A galeria de situações que o poderiam levar a perder a tolerância é bem construída e, rodeado de personagens que são um achado, a comédia foge do esperado a começar pela sequência de abertura, com um divertido sonho através do espaço sideral.

O belga François Damiens gosta de papeis complexos
O belga François Damiens gosta de papeis complexos

Damiens, reconhecido por seus tipos excêntricos em filmes como “Tango livre”, “A família Bélier”e “O novíssimo testamento”, está perfeito como o protagonista que, além de sonhar com o espaço, em casa vive entre as idas e vindas de seus dois filhos, Sarah (Jeanne Guittet), a mais velha, que só pensa em estudar e é muito crítica, e Gregoire (Tom Rivoire), mais sonhador, que acaba de se tornar vegetariano, uma informação que terá grande importância no decorrer da história. A ex-mulher (Lea Drucker) é jornalista e passa a maior parte do tempo ao vivo na TV, em Bruxelas, na cobertura das reuniões da União Europeia. E sua irmã, Xanae (Olivia Cote), é uma artista plástica que precisa que alguém cuide de seu cachorro chihuahua.

No trabalho, Mars é um dos mais dedicados do escritório e um dia seu chefe (Julien Sibre) o transfere para fiscalizar um funcionário problemático, Jerome (Vincent Macaigne, resposta francesa ao comediante Zach Galifianakis, mas também parecido fisicamente com o nosso Gregorio Duvivier). No novo escritório, o protagonista se depara com um sujeito psicótico e logo descobrimos que o colega carrega um cutelo para se “defender”. Em uma sequência bem bolada, a excentricidade acaba custando um pedaço da orelha de Mars, que ainda é obrigado a ouvir uma piada infame sobre Van Gogh. Na sequência, vale destacar, as cenas da orelha sendo costurada no hospital provocam um riso nervoso.

Perigo no ambiente de trabalho e piada com Van Gogh
Perigo no ambiente de trabalho e piada com Van Gogh

O episódio da orelha leva Jerome para uma instituição mental. No trabalho, Mars é pressionado a não processar a empresa. Uma noite, o maluco aparece em sua porta, implorando por ajuda. Jerome fugiu e pede abrigo, Mars o recebe a contragosto e ele vai ficando, estabelece uma boa relação com os filhos do colega e até convida uma garota do hospício pelo qual se interessou para uma visita. O nonsense predomina e culmina com o aparecimento dos “fantasmas” dos pais de Mars (Michel Aumont e Catherine Samie) em mais de uma situação, além das ações do hilário vizinho (Philippe Laudenbach), o orgulhoso  antigo motorista do presidente Giscard d’Estaing.

O cenário é Paris, mas em nenhum momento há o encanto da cidade-luz – para se ter uma ideia, a torre Eiffel não aparece, nem o Arco do Triunfo ou outros pontos manjados. A única cena em que vislumbra-se um pouco da beleza das pontes sobre o Rio Sena é justamente uma das mais crueis, que vai arrepiar os apaixonados pelos cãezinhos de estimação, e que marca a virada de Mars. Sim, o protagonista muda, era inevitável, e a barreira da incomunicabilidade com os filhos se desfaz. Chega de evitar conflitos, de escapar para o mundo das estrelas e cometas, de catar o cocô do cachorro do vizinho. O desfecho, irônico, é repleto de simbolismos.

 

 

 

 

Sobre Daniela Prandi

Daniela Prandi, paulista, jornalista, fanática por cinema, vai do pop ao cult mas não passa nem perto de filmes de terror. Louca por livros, gibis, arte, poesia e tudo o mais que mexa com as palavras em movimento, vive cada sessão de cinema como se fosse a última.

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