Crédito: Splitshire
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É a alma ou o espírito de porco do negócio?

De volta ao boteco do bom Portuga.

Ludovico Pascoal era um publicitário sempre prenhe de ótimas ideias, que ficavam melhores ainda quando irrigadas com uns bons drinques. Por isso, Lud Vic – como gostava de ser chamado – fazia do bar do Portuga seu QG. Desde que o boteco abria, até a melancólica hora da saideira, lá estava Lud Vic numa mesinha de canto, rabiscando seus estupendos brainstormings em pilhas de guardanapos de papel, que ocupavam tanto espaço na mesa, que viviam ameaçando o equilíbrio da já precária “cortina de vidro” formada pelas garrafas que ia esvaziando noite afora. Se o Portuga se orgulhava de tão ilustre e fecundo freguês? Nem a pau! Motivo simples: o outro punhado de papéis que Lud Vic fazia questão de acumular, desta vez do lado de dentro do balcão… é, as malditas pinduras. Mas, no estilo dos botecos de pedigree, essa coisa desagradável ia sendo empurrada com a barriga.

Crédito: Daniel Jagger Segundos/creativecommons.org
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Além do mais, o Portuga tinha lá preocupações mais nobres. Como a que Lud Vic pescou no ar, um dia, ao ouvi-lo desabafar com os garçons: “Ora, bolas! Cá tenho me esmerado em guarnecer o cardápio co’as melhores iguarias da terrinha, haja vista as açordas e as migas à alentejana, os enchidos e a rabada, e esse povo inculto só sabe pedir o ralho do bacalhau!”

Premeditando um milagroso emagrecimento da pilha de pinduras e antegozando a gratidão eterna do senhorio de seu “estúdio de criação”, Lud Vic entrou na conversa: “O que o senhor precisa é de propaganda, seu Portuga. ‘Xá comigo, que vou dar um jeito de desencalhar os acepipes da tua cozinha.” O Portuga nem prestou atenção direito naquela impertinência do “bebalhão caloteiro encruado na mesinha de canto”, como se referia ao profícuo publicitário, e continuou sua lamentação, horas a fio.

Crédito: creativecommons.org
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No dia seguinte, os fregueses mais retardatários deparavam com uma cena intrigante ao se aproximarem do boteco: na esquina de lá, um Lud Vic estancado, branco de medo e tremendo que nem vara verde, e na porta do bar, um Portuga com olhar colérico, girando um rolo de macarrão nas mãos, como a dizer: “Vem aqui, safado, que quero lhe mostrar uma coisa!” O enigma só se resolvia quando os botequeiros davam de cara com o banner garrafal, onde se lia, em letras laranja fosforescente sobre fundo preto: “Venha provar a deliciosa rabadinha do seu Portuga”.

Sobre Carlãozinho Lemes

Antes do jornalismo, meu sonho era ser... astronauta. Meu saudoso pai me broxou: “Pra isso, precisa seguir carreira militar”. Porém, nunca deixei de ir transmutando a sucata anárquica dos pesadelos em narrativas cambaleantes entre ficção científica, uma fantasia algo melancólica, humor insólito e a memória — essa tumba mal lacrada de maravilhas malditas. Assim, é o astronauta precocemente abortado quem proclama: rumo ao estranho e às entranhas!

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