(Foto creativecommons)
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Sangue jovem de jovens

Andre_PB_400x400A literatura e as artes em geral sempre foram aficcionadas pela incessante busca do homem pela juventude. Histórias de horror nos apresentam demônios e bruxas que se alimentavam de sangue de jovens com a intenção de roubar sua vitalidade e juventude. No século XVI existiu uma condessa  que entrou para a história por uma série de crimes cruéis que teria cometido. Seu nome era Isabel Báthory e ela ficou conhecida como “A condessa sangrenta”, ou a “Condessa Drácula”. Muitas histórias dizem que, dentre seus crimes brutais, um deles consistia em aprisionar garotas jovens para poder se alimentar de seu sangue, pois a condessa acreditava que aquele sangue lhe traria juventude e beleza.

Diante de histórias de vampiros e bruxas envolvendo sangue de pessoas jovens e a incessante busca pela juventude, será que existe algum indício científico de que isso poderia ser, por assim dizer, possível? Será que se uma pessoa idosa receber doses diárias de sangue de jovens ela poderia dar uma atrasada no seu processo de envelhecimento natural?

Ao que parece sim, e existem muitas universidades sérias ao redor do mundo que estão trabalhando nisso. A universidade de Harvard e a de Stanford estão na frente em linhas de pesquisa relacionados a processos de envelhecimento.

Suspeitas de que sangue de jovens tem poder de rejuvenescimento vieram na metade do século XIX, graças a uma sombria cirurgia que cientistas realizaram em ratos, em um processo chamado de parabiose. Os cientistas uniram dois ratos, um idoso e outro jovem, de modo que a pele e os vasos sanguíneos fossem compartilhados entre eles. O resultado mostrou que o rato idoso, ao receber o sangue do seu parceiro jovem, apresentou uma melhora bem significativa em seu condicionamento físico e, no aprendizado, ele passou a apresentar, com o tempo, as mesmas características que seu parceiro jovem. Era como se no sangue do rato jovem tivesse algum fator que causasse esses efeitos de rejuvenescimento.

Em meados de 2000, pesquisadores da Universidade de Stanford revisitaram essa técnica e conseguiram reverter alguns problemas de envelhecimento em ratos idosos. O que contém no sangue de jovens que poderia reverter o envelhecimento? A resposta pode estar no plasma. O plasma é rico em muitas proteínas e outras substâncias que podem ser a chave para explicar o que faz uma pessoa jovem ser jovem e uma pessoa idosa ser idosa, que fatores regem o envelhecimento.

Por exemplo, o plasma de pessoas idosas contém altos níveis de substâncias inflamatórias que causam danos aos tecidos e que está também ligado com câncer e problemas de coração. O plasma de jovens, ao contrário, possui altos níveis de compostos chamados estimulantes.

Em 2014, pesquisadores de Stanford injetaram em ratos idosos o plasma de ratos jovens e, após três semanas, os ratos apresentaram uma melhora nas funções cerebrais e um impulso nas questões de aprendizado. Ao que parece não necessita ser o plasma de uma mesma espécie, pois os ratos, ao serem tratados com plasma humano, mostraram o mesmo efeito.

Já foram descobertos alguns fortes candidatos presentes no plasma que poderiam ter alguma ligação, um deles é a proteína GDF11, a chamada proteína do rejuvenescimento. Doses diárias dessa proteína melhoravam a resistência física e o tamanho dos músculos. Outro candidato é a proteína chamada osteopontina que vem impulsionando o sistema imunológico e ajudando a manter as células sanguíneas jovens. Outra proteína, presente no sangue do cordão umbilical, chamada TIMP2, vem mostrando uma melhoria na performance de ratos idosos em testes cognitivos. A  maneira como essa proteína age ainda é incerta, mas os pesquisadores acreditam que ela possa inibir outras enzimas conhecidas que estão envolvidas com o Alzheimer e reverter o quadro. A vantagem dessa descoberta é que essa substância, encontrada no cordão umbilical, poderia ser sintetizada em laboratório e evitaria a necessidade de doadores.

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Os efeitos “rejuvenescedores” do sangue de jovens ainda são incertos, já que ainda não existe um estudo em humanos e, para chegar a uma resposta, levaria algum tempo.

Existem muitas pessoas que não estão muitos dispostas a esperar e viram nessas descobertas a possibilidade de um negócio milionário. Uma delas é a empresa Ambrosia que foi fundada no Vale do Silício (soa bastante estranho, pois, geralmente, as empresas dali são entidades de tecnologia, como o Google, dentre outras). Uma empresa (?) clínica especializada em transfusão de plasma de jovens doadores. Para ser um cliente da empresa, você precisa ter mais de 35 anos e, claro, estar disposto a pagar 8.000 dólares por uma dose de dois litros de plasma de jovens.

De acordo com o fundador da empresa, os resultados têm sido notáveis, e muitos pacientes, diagnosticados com Alzheimer, apresentaram uma melhora bastante significativa, além de outros efeitos observados, como o de uma mulher que sofria de fadiga crônica e, hoje, vive uma vida normal. Outros aderem ao tratamento para ganhar mais “energia”. A classe científica, obviamente, espera que esses resultados sejam confirmados utilizando para tanto um grupo placebo e que esses estudos sejam monitorados. O fundador, no entanto, ao que parece, não está muito interessado nisso, pois preferiu anunciar seus resultados em uma sala cheia de engenheiros e investidores em um centro de convenção no Vale do Silício em vez de numa conferência médica.

Muitos trabalhos publicados observam um “efeito rejuvenescedor” no plasma de jovens, mas muitos estudos ainda estão sendo realizados e ainda muito precisa ser entendido. No mais o que nos resta é esperar.

Mas quem gostaria de ser eterno? Talvez Dorian Gray.

 

Para saber mais:

O trabalho “Human umbilical cord plasma proteins revitalize hippocampal function in aged mice” foi publicado pela revista Nature e pode ser encontrado no link

http://www.nature.com/nature/journal/v544/n7651/full/nature22067.html?foxtrotcallback=true

O site da empresa que faz as transfusões de plasma é

https://www.ambrosiaplasma.com, mas o site não disponibiliza nenhuma informação, apenas um formulário.

 

Sobre André Sarria

Os certificados e papéis dizem que eu sou cientista, mas prefiro ser mais um "escutador" da natureza do que cientista. A natureza fala e eu a traduzo em linguagem de gente. Nasci em Cajobi e trabalhei em Londres como Pesquisador no Rothamsted Research. Atualmente moro em Madrid onde sou Diretor de Pesquisa e Desenvolvimento em uma empresa Europeia de agricultura.

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