(Foto creative commons)
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Pecaris e a dor do luto

Andre_PB_400x400Naquele dia de janeiro, o garotinho Dante de Kort, de 8 anos de idade, faria uma descoberta científica que acrescentaria mais conhecimento sobre comportamento animal. Será que animais sofrem pela morte de um de seus membros?
Da janela de sua casa, ele viu um grupo daquilo que parecia porcos selvagens se comportando de uma maneira curiosa. Como ele tinha de apresentar um trabalho numa feira científica de seu colégio, achou que observar um pouco mais a fundo o que estava acontecendo ali lhe garantiria algo. Deixou uma câmera de movimento gravando aquilo.
Uma fêmea parecia estar bastante doente, e os demais animais ficavam ali ao seu redor. Os animais do gênero Pecari andam em bandos e possuem diversos comportamentos sociais como cuidados do grupo e castas. São conhecidos como cateto, caititu e, apesar de serem parecidos com os javalis, não pertencem à mesma espécie.
No dia seguinte ao início de sua pesquisa, Dante viu que a fêmea morrera, e que os membros do grupo se recusavam a sair de perto da companheira morta.
Duas semanas após a morte do animal ainda era possível ver que, diariamente, outros membros vinham visitar o corpo, geralmente sozinhos ou em par. Algumas vezes, eles caminhavam ao redor ou simplesmente ficavam parados próximos ao corpo. Dante viu que ali entre os outros membros do grupo havia uma espécie de solidariedade, alguns animais se aproximavam e tentavam levantar o corpo com seus focinhos, outros afagavam o corpo, aconchegavam-se nele e ficavam deitados a seu lado.
Muitos animais respondem à morte de um membro como uma espécie de luto. Ainda que pouco se sabe a respeito, é possível ver uma atenção a seus membros falecidos.

Imagem: Dante de Kort
Imagem: Dante de Kort
O jovem cientista Dante de Kort e a Dra.  Mariana Altrichter (credito da imagem: http://m.kdminer.com/news/2018/jan/02/do-javelinas-mourn-their-dead/)
O jovem cientista Dante de Kort e a Dra. Mariana Altrichter (credito da imagem:
http://m.kdminer.com/news/2018/jan/02/do-javelinas-mourn-their-dead/)

Cientistas acreditam que comportamento que se parece ao luto poderia ajudar o animal a se recuperar de uma perda antes de começar a fazer outros laços sociais, mas isso não indica nenhum benefício evolutivo de uma espécie quando comparada a outra, então por que eles “sofrem” diante de um membro morto? Talvez simplesmente produto de amizade e amor sem nenhum benefício.
Quando os porcos dormiam ao lado do corpo e se recusavam a sair dali talvez estivessem mostrando sentimentos de dor como luto e tristeza.
Elefantes demostram agitação quando encontram um membro falecido e também celebram quando um novo membro nasce, alguns chimpanzés carregam o corpo de um membro falecido por dias ou semanas; foi observado que quando uma fêmea caiu e fraturou o crânio muitos membros ficavam ao seu redor protegendo e acariciando seu corpo até que ela viesse a morrer. Alguns golfinhos carregam corpos falecidos de seus bebês até a superfície do mar na intenção de ajudá-los a respirar.
Animais de fazenda também apresentam mudanças de comportamentos quando um membro se fere ou morre.
Uma vez eu estava fazendo coleta em uma fazenda de gado de leite, e um boi se feriu seriamente por conta de um transporte. Os outros animais, ao perceberem isso, começaram a mugir quase que instantaneamente e, ao mesmo tempo, ao seu redor. Confesso que foi bastante emocionante e assustador ter presenciado àquilo.
Duas semanas após a morte do porco selvagem, alguns coiotes arrastaram seu corpo para o alto de uma colina, e o grupo de porcos ainda o seguia, até que o abandonaram de vez quando os coiotes a comeram. Dante preparou um poster com fotos e descrição daquilo que sua câmera captou e apresentou seus resultados na feira de ciência de seu colégio. Por sorte, uma pesquisadora em comportamento animal, a Dra. Mariana Altrichter, estava ali, e o trabalho de Dante lhe chamou a atenção. Ela deixou uma nota colada no poster e, após conhecer o garoto e discutir sua descoberta mais a fundo (foram dias de gravação) a pesquisadora publicou essa descoberta numa revista científica, especializada em comportamento animal, tendo Dante como primeiro autor desse trabalho.
Após ler o trabalho e saber que veio de um garoto de oito anos, eu deixo aqui uma indireta: A câmera de vídeo usada por Dante foi dado a ele de presente pelos avós.
Crianças nascem cientistas, são curiosas e buscam entender o mundo que os cerca, mas, por algum motivo, vão perdendo pelo caminho essa sede de conhecimento.

Quem quiser ler o trabalho do pequeno cientista de 8 anos Dante de Kort basta acessar o site da revista Ethology
http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/eth.12709/abstract;jsessionid=EAD7A816EB1B1E44AA0174A5809AFA54.f04t03

Alguns trechos dos vídeos de Dante podem ser vistos no site da National Geographic https://news.nationalgeographic.com/2017/12/animals-grieving-peccaries-death-mourning/

Sobre André Sarria

Os certificados e papéis dizem que eu sou cientista, mas prefiro ser mais um "escutador" da natureza do que cientista. A natureza fala e eu a traduzo em linguagem de gente. Nasci em Cajobi e trabalhei em Londres como Pesquisador no Rothamsted Research. Atualmente moro em Madrid onde sou Diretor de Pesquisa e Desenvolvimento em uma empresa Europeia de agricultura.

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