As cores da pátria que ainda acredita na paz (Foto Adriano Rosa)
As cores da pátria que ainda acredita na paz (Foto Adriano Rosa)

Por que ainda acredito na paz e em uma pátria de irmãs e irmãos

Talvez nunca saibamos onde ou quando nos perdemos. Pode ter sido na esquina em que não vimos a fúria se encastelando. Pode ter sido no primeiro soco e nos primeiros esguichos de sangue no octógono. Pode ter sido na pioneira canetada que encheu de zeros aquele furtivo papel em branco. Pode ter sido, ainda, na primeira árvore tombada sobre o chão vermelho ou no primeiro paredão televisado.
E nem sei se valeria de alguma coisa encontrar a origem do desencanto. O mal está feito, e ele flui sutil pelos números ocos das Bolsas ou em corredores verdes e gelados no Plano Piloto. Escorre livre pelo leito sinuoso e turvo de rios antes doces, não se enternece com o desespero nos morros cravejados de lágrimas e balas e nem se intimida em levar o terror ao pátio da escola.
A minha terra bela foi violentada, os meus sonhos foram interrompidos, a minha esperança, enclausurada. E nem sei se isso é lamento ou prece, se isso é delírio ou meu último suspiro.
Eu sei que grito na tribuna e ninguém me escuta, eu bato à porta mas ninguém abre, eu abro o jornal e suas páginas estão rasuradas, eu corro à Igreja e ela está fechada, eu rogo à toga e ela só enxerga o que lhe convém.

Quem se dispõe a tocar o sino da paz, para que possamos sentar, tranquilos, no banco do jardim? (Foto José Pedro Martins)
Quem se dispõe a tocar o sino da paz, para que possamos sentar, tranquilos, no banco do jardim? (Foto José Pedro Martins)

Com toda essa dor o som da rua ainda me comove. Eu posso sentir, tremulando no asfalto, os passos da multidão se aproximando e tomando lugares nas universidades, nas casas, estádios e aeroportos. Eu posso ouvir, alegres, sons de pífaros, acordes de violinos e o frenesi de violas apaixonadas. Eu posso saborear, sem culpas, as delícias dos vinhos, sushis, knefes e muito arroz doce.
Porque a minha pátria corajosa teima em se vestir de arco-íris e colorir praças, pintar o rosto de paz, romper arames farpados e exibir o peito nu da liberdade. A minha pátria é feita de irmãs e irmãos que se amam, dão-se as mãos e cantam ao raiar do dia. Eu vibro com essa pátria e, por alguns instantes, ouço o sino da paz e esqueço o ódio que a enlouquece.

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Sobre José Pedro Soares Martins

Mineiro nascido com gosto de café e pão de queijo, ama escrever pois lhe encantam os labirintos, os segredos e o fascínio da vida traduzidos em letras.

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10 Comentários

  1. Maria Teresa Costa

    Onde foi parar aquela nossa pátria-mãe gentil?

  2. Nádia Helena

    Muito boa reflexão!!
    Fez lembrar de um trecho da música de Caetano Veloso: … quero frátria…

  3. Marcelo José do Canto

    Uma bela reflexão… muito além dos movimentos que estamos acompanhando e dos comentários que, muitas vezes, mais parecem frutos de ‘guerrilha’ virtual… Também quero uma pátria de irmãs e irmãos… Parabéns José…

  4. Muito bom, José Pedro!

  5. Ilza Maria Gomes Cardeal Pimenta

    José Pedro, meu caro, seu texto me fez lembrar daquela letra de música: ” A minha alma tá armada e apontada para a cara do sossego…” e neste banquinho todos gostaríamos de poder nos sentarmos um pouco, pela paz! Linda reflexão, parabéns! Bjos!