A Mariana que eu conheci, em frente à Casa da Câmara e Cadeia, edifício do final do século 18
A Mariana que eu conheci, em frente à Casa da Câmara e Cadeia, edifício do final do século 18

Pós-Mariana, um Brasil que pode ser outro

Fui uma única vez em Mariana e me deliciei não apenas com as referências históricas, mas também com a comida maravilhosa. Comi poucos frangos caipiras com polenta e couve como aquele, e olha que já repeti esse prato algumas vezes, no próprio território mineiro. Pois essa lembrança idílica, afetiva, não é mais a única que passei a ter da cidade que foi a primeira capital das Minas Gerais e abriga importante acervo barroco. Desde novembro de 2015, para mim e todos mineiros e brasileiros em geral, Mariana virou recordação de descaso, de flagelo ambiental, em função do rompimento da barragem de rejeitos da Samarco. Pós-Mariana, esperemos – e lutemos – para que o Brasil seja outro.

Boa parte do avanço do pensamento ecológico tem sido creditada à reação popular às tragédias ambientais registradas nas últimas décadas, como consequência de um modelo de desenvolvimento (?) que privilegia a técnica e o lucro em detrimento do respeito à vida em suas várias formas. Foi assim com o desastres de Chernobyl em 1986, e em Fukushima, em 2011, que confirmaram o enorme risco representado pela energia nuclear. O vazamento de gás em Bhopal, Índia, em 1984, do mesmo modo, ratificou a ameaça das grandes instalações industriais nas quais são processados produtos químicos altamente perigosos. No Brasil, onde muitas calamidades ambientais já aconteceram, foi a do rompimento de barragem na cidade mineira, atingindo milhares de quilômetros do rio Doce,  que, provavelmente, mais chamou a atenção da opinião pública até o momento. Teremos aprendido a lição?

Porque o Brasil é um país construído à base da devastação ambiental. A destruição da Mata Atlântica, que originalmente tinha quase 1 milhão de quilômetros quadrados, foi um dos maiores crimes ambientais já cometidos no planeta, e representa um retrato perfeito do que tem sido o processo de crescimento econômico no país. O que tem valido ao longo de nossa história tem sido a visão do lucro imediato, com a extração predatória dos recursos naturais, que são em grande parte transportados além-mar. O que fica por aqui é a terra arrasada.

Mais recentemente, e na esteira do avanço industrial realizado sem precauções ambientais, tivemos Cubatão como um ícone máximo de poluição, a imolação de Sete Quedas em benefício do modelo energético concentrado, a escalada do desmatamento da Amazônia, o uso intensivo de agrotóxicos, a impermeabilização das cidades, o lançamento de esgotos sem tratamento nos rios, vários despejos de óleo e petróleo no mar e, de novo, mais um gigantesco projeto hidrelétrico, o de Belo Monte, no coração da floresta amazônica.

Apesar de todo impacto representado por essa trajetória de degradação ambiental, ainda não tinha ocorrido, salvo engano, uma resposta popular tão grande como aquela registrada em função da tragédia de Mariana, que acabou sendo de grande parte do Rio Doce, de Minas Gerais ao litoral do Espírito Santo. Em tempos de redes sociais, de possibilidade de críticas rápidas a um acontecimento impactante, o episódio se transformou em um emblema do Brasil que não queremos mais. Um país de privilegiados, de minorias.

Depois desse triste momento histórico, esperemos que o olhar sobre a temática ambiental seja mais cuidadoso, embora eventos recentes mostrem que pode não ser bem assim. A decisão da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal, de aprovar a PEC 65/2012, que praticamente extingue o licenciamento ambiental, é um exemplo de que certos setores da sociedade brasileira não aprendem, mesmo com tanto acúmulo de aniquilação de nosso patrimônio natural.

Rio Xingu, em Altamira (PA), muito antes de Belo Monte: último grande projeto hidrelétrico no Brasil? (Foto José Pedro Martins)
Rio Xingu, em Altamira (PA), muito antes de Belo Monte: último grande projeto hidrelétrico no Brasil? (Foto José Pedro Martins)

Mas parece que a percepção sobre quais são as prioridades nacionais está realmente mudando. A revolta em vários segmentos sobre Belo Monte é um exemplo, assim como tem sido forte a reação em diversas cidades contra o “fracking”, o faturamento hidráulico para extração do gás natural de xisto. Nos últimos dias, sem a devida cobertura da imprensa tradicional, em muitos locais houve ações de massa contra o “fracking” e outras iniciativas ligadas a combustíveis fósseis, como a termelétrica de Pecém, no Ceará.

Pós-Mariana, espera-se, igualmente, que essa agenda emergente, de escala e relevância planetária, seja incorporada por setores da própria esquerda que sempre acharam a questão ambiental como “coisa de burguês”. O desenvolvimento nacional pode e deve ser feito com o respeito ao equilíbrio ambiental, à preservação da biodiversidade, à água e à terra que nos sustentam. E essa preocupação local, nacional, pode e deve ser necessariamente ligada a questões de esfera planetária, como o aquecimento global.

Tomara que Mariana possa vir a ser, um dia, de novo uma boa lembrança, a da real mudança de página de um roteiro que tem sido de dor, destruição e desespero.

 

 

 

 

Sobre José Pedro Soares Martins

Mineiro nascido com gosto de café e pão de queijo, ama escrever pois lhe encantam os labirintos, os segredos e o fascínio da vida traduzidos em letras.

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