Uma das edições do Reviva o Rio Atibaia, em Sousas: Plano Diretor precisa garantir proteção dos recursos hídricos (Foto Martinho Caires)
Uma das edições do Reviva o Rio Atibaia, em Sousas: Plano Diretor precisa garantir proteção dos recursos hídricos (Foto Martinho Caires)

Com Plano Diretor, Campinas está perto de colocar em risco o futuro

Na semana passada Campinas deu mais um passo rumo a um desenvolvimento mais sustentável, com a inauguração de duas fábricas da chinesa BYD, produtora de baterias e veículos elétricos e equipamentos em energia solar. Mas esta mesma cidade, que há alguns dias também tinha registrado outros avanços, como os anúncios do reservatório municipal de água e do contrato para implantação do BRT, corre no momento um grande risco de hipotecar o futuro, em função de ameaças decorrentes da discussão sobre o seu novo Plano Diretor Estratégico (PDE). A mais flagrante delas é a possibilidade de uma expressiva expansão do perímetro urbano, com a consequente redução da área rural. Mas também existem outras ameaças, ou possibilidades de se perder chances históricas, não menos prejudiciais ao conjunto da cidade e da população.

Chegou a circular uma proposta saída do setor imobiliário indicando a completa extinção da zona rural, o que foi recusado publicamente pelo prefeito Jonas Donizette. A Prefeitura está propondo um incremento de 35,5% da área urbana, através da transformação de 140 quilômetros quadrados hoje considerados como zona rural. A ampliação da área urbana é justificada, pela Prefeitura, pelo acúmulo de pedidos nesse sentido. Já seriam 130, por parte de empreendedores interessados em projetos imobiliários. Segundo a Prefeitura, a expansão da área urbana ocorreria, mas com a garantia de proteção das Áreas de Proteção Permanente (APPs), dos territórios ambientalmente frágeis, das nascentes de água e da Área de Proteção Ambiental (APA) de Campinas em geral.

Existe uma importante oposição de moradores da zona rural, de produtores rurais, de especialistas universitários e ambientalistas, à expansão significativa do perímetro urbano de Campinas (inclusive pela existência de muitos vazios urbanos). Mas essa possibilidade encontra eco, também, no próprio panorama nacional e internacional, onde, pelo contrário, o que tem ocorrido é o fortalecimento de medidas de proteção e até de ampliação das áreas rurais, como estratégias centrais de proteção dos recursos hídricos (em tempos de fortes crises da água), de conservação da biodiversidade e de combate às mudanças climáticas, que estão afetando o planeta como um todo.

Nem é preciso ir muito longe. Em recente debate na Câmara Municipal de Campinas, foi exibido o depoimento do arquiteto e urbanista Décio Pradella, explicando como o novo Plano Diretor Estratégico de Jundiaí, aprovado em 2016, no lugar de diminuir, na prática aumentou a área rural, justamente para proteger áreas de nascentes e de recursos hídricos vitais para o município, como a bacia do Jundiaí-Mirim, e um tesouro remanescente da Mata Atlântica, que é a Serra do Japi, entre outros recursos naturais relevantes. O PDE de Jundiaí ainda criou as Zonas de Desenvolvimento Periurbano, para reforçar a proteção das áreas ambientalmente frágeis, como as de recursos hídricos, lembrando-se que Jundiaí, como Campinas, sofreu os impactos da severa crise hídrica de 2014-2015.

Ao comentar o depoimento de Pradella, a professora da PUC-Campinas, Laura Bueno, defendeu a necessidade de se pensar a cidade não apenas como ambiente para o desenvolvimento imobiliário, mas como “um lugar onde todos vivemos e onde tudo deve estar integrado”. É possível e desejável pensar a transição do rural para o urbano, complementou, mesmo estando em uma região metropolitana como a de Campinas.

Em questão o futuro de Campinas (Foto Adriano Rosa)
Em questão o futuro de Campinas (Foto Adriano Rosa)

Autoaplicabilidade e outorga onerosa – O mesmo debate na Câmara Municipal levantou outros aspectos relevantes, associados à discussão sobre o Plano Diretor Estratégico de Campinas. Um deles é o da necessidade de que o novo PDE seja autoaplicável e que também seja aprovado de forma concomitante com a Lei de Uso e Ocupação do Solo (LUOS), como defendeu a arquiteta e urbanista Eleusina Lavôr Holanda de Freitas, pesquisadora do LABHAB/FAU USP e sócia da DEMACAMP.

Não adiantaria a aprovação de um Plano Diretor “com boas intenções”, sem a aprovação conjunta de uma nova Lei de Uso e Ocupação do Solo, afirmou a especialista. A atual LUOS de Campinas é de 1988, lembrou, e permite várias situações que são contrárias a uma desejável menor verticalização. No debate realizado na Câmara de Campinas, ficou evidente a preocupação com a recente declaração do secretário municipal de Planejamento e Urbanismo, Carlos Augusto Santoro, indicando que seria muito difícil a entrega ao Legislativo, para decisão dos vereadores,  do PDE junto com uma nova LUOS.

Eleusina de Freitas defendeu, igualmente, que o novo PDE de Campinas incorpore o instrumento de outorga onerosa, pelo qual um empreendedor pode construir algumas vezes a área de seu lote, desde que dê contrapartidas para o município. Os recursos derivados dessas contrapartidas, explicou a arquiteta e urbanista, poderiam ser direcionados para um Fundo Municipal, com aplicação deliberada por um colegiado representativo da sociedade. O PDE de Osasco, lembrou a especialista, assimilou o instrumento da outorga onerosa, direcionando parte importante dos recursos do fundo municipal para financiar uma política habitacional de interesse social. Do mesmo modo, no debate realizado na Câmara manifestou-se inquietação quanto ao fato de que não há indícios de incorporação, de modo enfático, do instrumento da outorga onerosa no Plano Diretor Estratégico de Campinas.

Viracopos:: cidade que tem um Aeroporto Internacional merece um Plano Diretor Estratégico modelo (Foto Adriano Rosa)
Viracopos:: cidade que tem um Aeroporto Internacional merece um Plano Diretor Estratégico modelo (Foto Adriano Rosa)

Futuro em xeque – Em síntese, Campinas pode registrar retrocessos ou, no mínimo, perder chance histórica de promover um desenvolvimento urbano equilibrado com o novo Plano Diretor Estratégico, que deve ser concluído ainda no primeiro semestre. A cidade que celebrou recentemente o Plano Municipal de Educação Ambiental e o programa de pagamento por serviços ambientais, para estimular o plantio de árvores por produtores rurais, poderá ter um futuro de maior qualidade de vida comprometido, se for aprovado um Plano Diretor que não valorize a riqueza da zona rural e não absorva mecanismos que apontam para uma cidade mais inclusiva e justa.

A valorização da área rural foi defendida no mesmo debate na Câmara Municipal por Lucca Vichr, do Fórum de Desenvolvimento Rural Sustentável. Ele lamentou que o Conselho de Desenvolvimento Rural esteja desativado e propôs pontos como a criação de uma Secretaria Municipal de Agricultura, um melhor tratamento da infraestrutura para a área rural e um Plano de Desenvolvimento Rural, revisto a cada quatro anos.

Os movimentos sociais, ambientalistas  e setor acadêmico estão prometendo intensificar suas ações, nas etapas finais de discussão do Plano Diretor. É o caso do Fórum Cidadão pelo Plano Diretor Participativo, que tem promovido reuniões semanais no CIS-Guanabara.

Outro importante momento será a realização, em maio, do Seminário Interação Universidade e Sociedade: Contribuições para o Plano Diretor Estratégico. Será um espaço especial, para discussão de propostas para a qualificação do PDE de Campinas. A cidade que pode voltar a brilhar, se aprovar um Plano Diretor Estratégico afinado com as demandas contemporâneas, como já fizeram vários municípios brasileiros.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Sobre José Pedro Soares Martins

Mineiro nascido com gosto de café e pão de queijo, ama escrever pois lhe encantam os labirintos, os segredos e o fascínio da vida traduzidos em letras.

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2 Comentários

  1. sebá Torres

    Vejo com preocupação a proposta de expansão urbana. Entendo que o desejável é a manutenção de nossas áreas rurais visando a proteção dos mananciais e a biodiversidade. Temos que manter um cinturão verde inexistindo a possibilidade de conurbação. Devemos avaliar que cidade queremos para o futuro.

    • Maria Rita Amoroso

      Querido amigo Zé Pedro

      A preocupação passa também pela pergunta .O que vai acontecer com nosso Patrimônio Cultural arquitetônico rural? Saberes importantes estão em risco de desaparecerem se não olharmos com carinho especial para nossa historia como ela merece.
      Nao sou contra o desenvolvimento,mas o desenvolvimento deve ser acompanhado de um palnejamento estratégico muito bem pensado e discutido com todas as partes envolvidas ,isso significa ,todos os cidadãos .
      A conurbaçao entre as cidades descaracteriza e muito o reconhecimento dos limites do nosso municipio .
      A melhor coisa quando cheagamos ou saimos de uma cidade é reconhecer o quanto de área verde ainda conseguimos atravessar e que são consideradas como um descanso para nossos sentidos tão assoberbados com a agitação urbana:carros,violência,poluiçao etc.
      Temos hoje uma cidade espraiada que ainda nao atingiu o seu máximo e agora para onde vamos? Que cidade queremos?