Toda atenção no Congresso Nacional será pouca nos próximos anos (Foto Adriano Rosa)
Toda atenção no Congresso Nacional será pouca nos próximos anos (Foto Adriano Rosa)

De lama em lama o Brasil faz a sua má fama

Nada mais simbólico do que ocorre hoje no Brasil de certas esferas do que um mar de lama. E veio onde se esperava que viesse. Na falta de uma punição de fato, exemplar, ou ao menos apenas cumprindo a lei, no caso de Mariana, nova tragédia no mesmo estado, no mesmo segmento econômico, desta vez em Brumadinho. A cidade cada vez mais conhecida em todo mundo por sediar o Inhotim agora esta na mídia internacional por mais um gigantesco rompimento de barragem da Vale, com número ainda não sabido de vítimas fatais.

E a barragem nem estava entre as 45 que, segundo a Agência Nacional de Águas (ANA), em relatório do final de 2018, eram as mais vulneráveis a rompimento, entre as mais de 24 mil barragens cadastradas no Pais. Nada menos que 723 foram classificadas como de risco ou dano potencial associado altos.

Mas o que se faz quando esses relatórios técnicos são divulgados? Nada, absolutamente nada de efetivo. São vários os motivos. Falta de cultura de prevenção, ineficácia dos órgãos gestores e fiscalizadores. E muita falta de vontade política para apenas cumprir o que está na lei, como se observou com o rompimento das barreiras da Samarco.

O Brasil inteiro está torcendo e grande parte dele lutando pelo fim da corrupção, nem sempre com os mesmos métodos, protagonistas, motivos ou sinceridade. Pois a mesma disposição também deveria ocorrer, e urgente, na área ambiental. São catástrofes e mais catástrofes, e tantas delas criminosas, em curso em território nacional, atingindo flora, fauna e numero crescente de cidadãos brasileiros, indígenas e quilombolas entre eles.

Essas catástrofes apenas tendem a aumentar, se confirmadas as más intenções de flexibilização das licenças ambientais e prosseguir o desmonte nos órgãos do setor e, de forma mais ampla, com o agravamento das mudanças climáticas. No encontro de Davos deste ano, o Fórum Econômico Mundial publicou uma nova edição do Relatório de Riscos Globais. E está lá: pelo terceiro ano consecutivo, os Eventos Climáticos Extremos lideram o ranking dos maiores riscos para o planeta. Desastres naturais e falhas no arcabouço de mitigação das mudanças climáticas são outros dos cinco maiores riscos, ao lado de ataques cibernéticos e fraude ou roubo de dados.

Neste encontro que se tornará histórico, o presidente Jair Bolsonaro falou que o Brasil é o país que mais protege o meio ambiente. Não é, como cada brasileiro no mínimo sensato sabe. Mas também órgãos internacionais. De acordo com o Environmental Performance Index (EPI), produzido pelas universidades  americanas de Yale e Columbia, o Brasil está na posição 69, em conjunto de 180 países, em termos de proteção ambiental. A pesquisa considera 10 indicadores.

As evidências estão aí, nas mãos sujas de barro. O Brasil, em muitos círculos de poder, continua cego ao que ocorre e ao que ainda pode ocorrer. Minas Gerais tem sido um péssimo exemplo nesse sentido. Mesmo depois de tudo o que ocorreu em Mariana, deputados mineiros continuaram jogando contra.

No final de 2018, a Assembleia Legislativa mineira aprovou dois projetos frontalmente contrários ao que se espera no estado tão afetado pelo descaso ambiental. O PL 1454/2015 previa a concessão de licenças ambientais em 120 dias para grandes empreendimentos e em 60 dias para empreendimentos de pequeno porte, isentando-os do licenciamento caso o órgão responsável não respondesse à solicitação no prazo estipulado. A tal “desburocratização” dos licenciamentos, como defensores do afrouxamento das licenças a nível nacional propugnam, tudo indica que com o apoio do novo governo federal. As mineradoras que operam ou pretendem operar na Amazônia estão particularmente ansiosas por isso.

Outro projeto aprovado foi o 5236/18, determinando o arquivamento de infrações administrativas não julgadas em um período de três anos. “Na prática, os processos provocados por delitos ambientais caducariam ao final do período proposto, beneficiando os infratores, prejudicando o meio ambiente e causando danos financeiros ao Estado”, afirma a Associação Mineira de Defesa do Ambiente (Amda). Os dois projetos foram, ainda bem, vetados pelo novo governador, Romeu Zema.

Será que Brumadinho será mais um desses crimes sem castigo? Se mais episódios assim continuarem acontecendo, logo estaremos irremediável e definitivamente mergulhados, todos, na lama. Se é que já não estamos.

Sobre José Pedro Soares Martins

Mineiro nascido com gosto de café e pão de queijo, ama escrever pois lhe encantam os labirintos, os segredos e o fascínio da vida traduzidos em letras.

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