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Crédito: V Dark Day/creativecommons.org

Tiro pela culatra

Dona Ana, de 79 anos, fincou a ponta da bengala no meio fio da calçada e, ao contrário do que seria lógico, esperou o semáforo liberar o fluxo para veículos e atravessou a movimentada avenida, fora da faixa de pedestres e em plena hora do rush, como se nem houvesse tido consciência da imprudência que lhe custou a vida: foi destroçada por uma van do transporte coletivo clandestino. O “suicídio da anciã” ganhou rapidamente as manchetes da mídia, impulsionado pelo conhecimento prévio de que a quase octogenária andava com bengala porque fora justamente atropelada anteriormente, o que deveria ter-lhe “vacinado” contra aquele surto de porralouquice. Segundo namorada e amigos, Zé Luiz, de 37 anos, sempre fora severamente acometido por uma rara combinação de acrofobia e agorafobia. O que não o impediu de, naquela manhã chuvosa, sair do apartamento térreo e …

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“Curumim” repassa a história de Marco Archer, executado em 2015 na Indonésia, aos 53 anos, por tráfico de drogas

Nem mártir, nem herói: a história de “Curumim”, o carioca executado na Indonésia

“Curumim”, documentário que repassa a trágica história de Marco Archer, brasileiro condenado à morte por tráfico de cocaína na Indonésia em 2004 e executado em 2015, aos 53 anos, por fuzilamento, conta com um grande trunfo: não toma partido. Com dois temas tão polêmicos de fundo – drogas e pena de morte – o documentário não suaviza o personagem e muito menos adota um discurso pronto. Curumim, como era conhecido, não é herói, nem muito menos mártir. Apresentado no Festival de Berlim no início do ano, o filme tem rodado festivais e acaba de chegar ao cinema. Foi o próprio Archer quem encomendou o trabalho para o documentarista Marcos Prado, o mesmo do belíssimo “Estamira” e do filme de ficção “Paraísos Artificiais”, também sobre o mundo das drogas. A montagem é primorosa, com cenas gravadas na prisão de segurança máxima …

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Crédito: Thomas Rousing/creativescommons.org

Metamorfose & encontro

Açoitado pelo vento gélido que varria a pracinha, o menino tiritante se encolhia no desconjuntado banco de madeira, naquela noite. Porra: a mãe trabalhara a vida inteira como faxineira da praça pra que ele fosse descartado, tão vulnerável e fodido daquele jeito?! A coitada era tão dedicada que tirava o pó até das folhas das árvores frondosas… Contudo, o que mais incomodava o menino, mais do que o frio, era a impossibilidade de enxergar cores: um inverno preto e branco pode ser muito mais cruel. Do outro lado da pracinha, o flagelo gélido também castigava a menina, que igualmente se encolhia noutro desconjuntado banco de madeira. Porra: o pai trabalhara a vida inteira como jardineiro da praça pra que ela fosse descartada, tão vulnerável e fodida daquele jeito?! Logo aquele velho trabalhador dedicado, que não deixava que qualquer erva daninha …

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O filme “A Chegada” desafia a inteligência do espectador ao abordar questões que a humanidade não se cansa de fazer

Filme “A Chegada” recebe os ETs com inteligência – e entenda quem puder

A linguista Louise Banks (Amy Adams) está pronta para dar uma aula sobre a “romântica” língua portuguesa quando é interrompida pelos telefones de seus alunos, todos dando o alerta de que algo inesperado aconteceu. Em 12 pontos diferentes do mundo extraterrestres estacionaram uma espécie de casulo, mas permanecem em silêncio. A abertura de “A Chegada”, do diretor canadense Denis Villeneuve, filme que abriu o Festival de Cinema do Rio e já no circuito, é de uma tensão imensa. O tema escapa da esfera do cinema-catástrofe que marca o gênero para construir uma fábula sobre tempo x espaço, comunicação x incomunicabilidade, medo x coragem. Baseado em um conto do escritor Ted Chiang chamado “A História de sua Vida”, “A Chegada” desafia a inteligência do espectador ao abordar questões que a humanidade não se cansa de fazer e que há tempos ocupam …

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Crédito: Alex Guerrero/creativecommons.org

Um churras desastroso

“Tô c’uma fome fedaputa!” O mantra, que já enchia muito o saco dos outros integrantes da expedição, era repetido à exaustão, lógico, pelo cadete Adriângelo 32, o glutão da galera, mas tão glutão, que jamais se convencia dos valores nutricionais da alimentação sintética acondicionada em cápsulas esterilizadas que deveriam garantir o sustento dos expedicionários. “Afinal, são só bagulhinhos sem sabor algum!”, detonava o esfomeado. O comandante Puethgarr 19, mais uma vez, se viu obrigado a remonitorar o quadro. Ok: todos usavam as vestes isolantes (até mesmo o comilão reclamação), então, o risco de contaminação ambiental/histórica do período continuava descartado. Ora, que o bebê guloso continuasse a chorar, foda-se! Afinal, a missão deveria prosseguir sem sobressaltos. Desde que a ciência lhes abriu as portas para o passado,— o futuro ainda era inescrutável, uma sopa quântica de multipossibilidades mutáveis incontrolavelmente — desenvolveram …

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