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Plano Diretor – Quais são os instrumentos que serão utilizados?

rita-amoroso_161206_006_400x400Como todos sabem estamos finalizando a Revisão do nosso Plano Diretor obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes e referência para o cumprimento da função social da propriedade (art. 182 § 1º e 2º da Constituição Federal). O plano diretor passa a ser exigido também para cidades integrantes de áreas de especial interesse turístico, para aquelas influenciadas por empreendimentos ou atividades com significativo impacto ambiental e para as que pretendam utilizar os instrumentos do Estatuto da Cidade.

Vamos, aqui, apresentar alguns dos pontos mais importantes do Estatuto da Cidade conforme Bassul (2002) no livro “Patrimônio Cultural: Conceitos, políticas, instrumentos” de Leonardo Barci Castriota, para dar início às discussões em curso com mais clareza.

Parcelamento, edificação ou utilização compulsórios: a ociosidade de vastas extensões de terrenos urbanos já dotados de infraestrutura responsável por aspectos da economia como elevação dos custos de prestação dos serviços públicos e a sobrevalorização fundiária. Previsto no art.182 § 4º da Constituição, como primeira penalidade pela retenção ociosa de terrenos, esse dispositivo carecia de regulamentação em lei federal para tornar-se aplicável.

A importância desse instrumento está exatamente em diagnosticar quais são, na verdade, as áreas ociosas, já que se torna difícil as identificar com clareza e, em geral, as definimos todas simplesmente como áreas rurais.

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Foto Martinho Caires

IPTU Progressivo no tempo: segunda sanção prevista na sequência do § 4º do art.182, para combater a ociosidade de terrenos urbanos, o IPTU progressivo no tempo será aplicado aos proprietários que descumprirem a primeira penalidade, pelo prazo de cinco anos, com progressão da alíquota, limitada ao dobro de um exercício para o outro, até o máximo de 15%.

 A penalidade sinalizada pela cobrança progressiva do IPTU nos alerta para o uso real da terra urbana, dando destino certo para sua aplicação referente à função social da propriedade.

Desapropriação com pagamento em títulos da dívida pública: trata-se da última das penalidades constitucionais previstas no capítulo da política urbana. Torna a desapropriação de imóveis urbanos ociosos semelhante à que ocorre para fins de reforma agrária.

 Muitos imóveis abandonados se tornam um entrave dentro da malha urbana, muitas vezes se transformando inadequadamente em verdadeiros guetos de pobreza e tráfico. Esse instrumento permite que sua utilização tenha um destino voltado para as demandas sociais da população.

Usucapião especial: o usucapião especial de imóvel urbano de propriedade particular constitui dispositivo autoaplicável da Constituição. O Estatuto da Cidade, contudo, amplia a possibilidade de iniciativa para o usucapião coletivo, o que pode facilitar a regularização fundiária de áreas urbanas de difícil individualização, como as favelas.

Esse instrumento permite a obtenção e a inserção de forma legal de um contingente de moradores irregulares na cidade, através, inclusive, da regularização fundiária também para grandes áreas ocupadas, a exemplo das próprias favelas.

Concessão de uso especial para fins de moradia: instrumento inovador, permite que imóveis públicos ocupados a mais de cinco anos sem oposição tenham a posse regularizada de maneira semelhante aos casos de usucapião de imóveis particulares, mas sem transferência da propriedade. O dispositivo foi vetado pelo Presidente da República, mas reposto pela Medida Provisória nº 2.220, de 4 de setembro de 2001, que limita a fruição do benefício aos que satisfazem as condições da lei na data de 30 de junho de 2001.

Por esse instrumento aos imóveis públicos ocupados por mais de cinco anos sem contestação, será dado o título da posse, mas não o título de propriedade.

Direito de superfície: permite a transferência, gratuita ou onerosa, por escritura pública, do direito de construir sem que alcance o direito de propriedade do terreno. Torna mais flexível a utilização de terrenos urbanos.

Esse outro instrumento permite a obtenção do direito de construir em terrenos urbanos, através de escritura pública, mas sem ganhar o título de propriedade.

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Direito de Preempção: assegura preferência ao poder público na aquisição de imóveis urbanos, desde que, devidamente notificado pelo proprietário, manifeste o interesse pela compra no prazo de trinta dias, findo o qual o direito deixa de prevalecer. Objetiva permitir a formação de estoque de terras públicas sem a necessidade de procedimentos de desapropriação.

Esse instrumento se torna muito importante principalmente quando seu uso se destina à Reabilitação Urbana e preservação do patrimônio. Permite ao poder público não apenas criar um estoque de terras e imóveis públicos, mas controlar e mesclar a população de diferentes faixas de renda dentro do núcleo urbano, fazendo com que a cidade se torne mais includende frente a seus cidadãos, não permitindo que áreas centrais e históricas iniciem o processo de gentrification, ou seja, altere sua dinâmica de composição local com grandes empreendimentos prediais, substituindo os pequenos comércios e moradias mais antigas (muitas vezes modestas) aumentando o processo de periferização pelas transformações sociais e despejos forçados.

Outorga Onerosa do direito de construir e de alteração de uso: consiste na possibilidade do município estabelecer determinado coeficiente de aproveitamento dos terrenos a partir do qual o direito de construir excedente deve ser adquirido do poder público. O mesmo deverá ocorrer quando o uso for alterado e resultar na valorização do imóvel.

Essa é uma questão polêmica.

Primeiro: adquirir do poder público o direito de construir significa pagar por esse direito. O importante é saber qual será o destino do dinheiro quando o mesmo entrar nos cofres públicos.

Segundo: Para adquirir direito de construir, deve-se levar muito a sério o impacto de vizinhança e também incomodidade. Esses são fatores bem críticos para se ter uma cidade Sustentável e com qualidade de vida.

Operações urbanas consorciadas: permitem um conjunto de intervenções e medidas, consorciadas entre o poder público e iniciativa privada, com vistas a alcançar transformações urbanísticas de maior monta. No âmbito das operações, o direito de construir pode ser expresso em certificados de potencial adicional de construção, vendidos em leilão ou utilizados para o pagamento de obras.

Os altos custos necessários para a realização de intervenções urbanas de qualidade exigem que se alarguem os conceitos para sua execução. Formular parcerias pactuadas entre o poder público e a iniciativa privada se mostra como alternativa viável.

 Transferência do direito de construir: faculta o exercício desse direito em imóvel distinto do que originalmente o detinha. Mecanismo útil para a implantação de equipamentos urbanos (reduz os custos de desapropriação) para a preservação do patrimônio histórico e cultural e para a regularização de áreas ocupadas por população de baixa renda.

Esse instrumento possibilita a flexibilização do imóvel.

Hoje encontramos, principalmente em centros históricos, áreas ocupadas com os mais diferentes usos, muitas vezes em total degradação e/ou arruinamento.

A implantação de equipamentos urbanos como escola, creche, ambulatório, central de polícia, biblioteca, etc., em prédios históricos, necessitam de adaptações para atender não apenas a demanda e acessibilidade, mas ao novo uso, protegendo o imóvel e resguardando seu passado e sua história.

Enfim, deixo aqui alguns instrumentos para começarmos a pensar em como vamos aplicá-los, a fim de termos realmente a cidade que queremos, ou que seja melhor ainda.

Sobre Maria Rita Amoroso

Arquiteta Urbanista amante da arte, da cultura e da vida. Campineira de nascimento, mas com DNA mineiro que faz o sangue ferver ao ver montanhas, rios, casarios, ruas e gente. Fervura de amor, e se preciso de luta por essa gente que sente, que fala, que ri, que chora, que vive e se percebe e se emociona como as cidades que possuem vida porque tem pessoas. http://mariaritaamoroso.com.br

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7 comentários

  1. Vera Lúcia Teixeira Bonato

    Parabéns, Maria Rita!
    Podermos contar com seu empenho, seu conhecimento, suas preocupações, sua sensibilidade e, principalmente, sua capacidade profissional nas definições do Plano Diretor é, realmente uma sorte para todos nós da população Campineira.
    Gostei muito e concordo com você no seu artigo “0 invisível mais que visível” , enquanto não focarmos as segregações e encontrarmos caminhos para as eliminarmos sempre teremos um cidade doente e com conflitos que entravam nossa qualidade de vida.
    Obrigada por estar presente, também, neste trabalho do Plano Diretor de Campinas

    • Obrigada Vera pelo carinho .

      O caminho não é fácil,mas podemos fazer o caminho menos difícil .

      Fazer uma cidade inclusiva é um bom começo .

      E fico feliz em encontrar uma parceira de peso ,como voce, nessa luta .

      Olhar a cidade não só pelo plano material mas principalmente pela riqueza maior que temos que é o CIDADÃO que aqui reside .

  2. Aloisio Silveira

    Campinas é assim contemplada pela experiência e competência da arquiteta Maria Rita Amoroso que se debruça sobre suas questões essenciais, a cidadania. Obrigado por se ocupar de assunto tão relevante.

    • Prezado Aloisio

      Agradeço sua consideração e carinho e creio que todos estamos empenhados para que nossa cidade trabalhe sempre melhorando a vida de seus cidadãos .
      A cidade é de todos.Sempre.

  3. MARIA BERNADETTE RIBEIRO ROMEIRO

    Uma pena que essa discussão não esteja sendo feita de forma mais ampla pela grande mídia. A prefeitura deveria dar mais visibilidade ao debate do Plano Diretor através de campanhas de conscientização de sua importância e de estímulo à participação da sociedade.
    É louvável, nesse sentido, a iniciativa da ASN e deixo aqui os meus parabéns à você Maria Rita pelo compromisso e elogiável empenho em envolver a todos na responsabilidade que temos em construir uma cidade melhor.
    Fica clara a importância da participação de todos quando você destaca a questão relativa ao destino do dinheiro proveniente da arrecadação da outorga onerosa do direito de construir e a necessidade de considerar o impacto de vizinhança.
    É preciso que o uso desse dinheiro seja regulamentado por leis de transparência e destinação vinculadas à projetos sociais e de interesse comuns conforme o Estatuto da Cidade.

    • Querida Bernadette .

      Realmente se deixarmos passar esse momento , quem perde é toda a cidade.
      A importância do bom uso dos instrumentos existentes no Estatuto da Cidade e as discussões que fazem parte da nova agenda urbana possibilita a realização de um trabalho rico e importante ,nao apenas para o crescimento urbano da cidade de Campinas, mas na melhora da qualidade de vida dos seus cidadãos.
      Precisamos entender quais serão as regras a serem utilizadas no plano diretor ,precisa haver regras ,nåo basta apenas sinalizar de forma vaga mas sim aprofundar o debate com a população deixando claro a aplicação de todos os instrumentos e propostas .