Todos querem aparecer na foto, principalmente aparecer “bem” na foto. E depois postar. Munidos de seus paus de selfie, posam para si mesmos, sorriem para o infinito, como se não houvesse amanhã. Mas, em uma esquina da Avenida Nossa Senhora de Copacabana, uma babá de mãos dadas com uma criança, saca o celular e tira fotos dos outros, dos que esperam o sinal abrir. “Por que está me fotografando?”, diz, com cara de poucos amigos, um turista que já abusou do sol causticante do Rio de Janeiro, que ainda não recebeu a chegada do Outono, como bem podemos sentir.
O semáforo libera a passagem dos pedestres, interrompe, não há como saber se houve resposta, e todos caminham em direção à praia mais famosa do Brasil.
Impossível não lembrar de Vivian Maier, que atravessou uma existência anônima fotografando anônimos pelas ruas, como bem mostrou o documentário “Finding Vivian Maier” (no Brasil, “A Fotografia Oculta de Vivien Maier”), uma dessas histórias extraordinárias que mostram o sentido da vida, ou a falta de.
Vivian Maier esteve nesse mesmo local em 1958, quando, durante uma viagem de três meses pelas Américas Central e do Sul, passou pelo Rio de Janeiro, além de São Paulo e também Amazônia, mais Bogotá, Quito, Santiago, Montevidéu e Buenos Aires. Boa parte das imagens desta viagem permanecem inéditas.
Mas outras não. O reconhecimento póstumo de Vivien Maier e de seus milhares de retratos de pessoas pelas ruas culminou no documentário, que concorreu ao Oscar há dois anos e foi destaque nos festivais de Berlim, Toronto e Nova York. A revelação de quem é Vivien Meier é feita com paixão; vale destacar que o filme já chegou à TV paga e sua história merece ser conferida.
Tudo começa em 2007, quando o corretor de imóveis John Maloof, então com 26 anos, em seus garimpos por sebos e antiquários em busca de imagens antigas de Chicago, encontrou dúzias de caixas com filmes e negativos velhos. Arrematou um lote por US$ 400,00, no pacote havia um envelope com um nome, procurou-o no Google e nada encontrou. Guardou, então, as caixas com negativos e 1.600 rolos de filmes não revelados por um ano.
Um dia decidiu olhar melhor tudo aquilo. Ele nem era assim tão conhecedor de fotografia, sua intenção não era nada nobre, apenas queria fotos para valorizar os imóveis que tentava vender, mas entendeu que tinha um tesouro nas mãos. Começou a postar as fotos no Flickr com a pergunta: “O que devo fazer? Consideram esse trabalho digno de uma exposição, de um livro? Ou esse tipo de coisa surge o tempo todo, assim, do nada? Qualquer ajuda é bem-vinda”.
No mundo virtual, as imagens Vivien Maier geraram empatia. Fotos de crianças e mulheres, gente simples, bêbados, nobres senhoras e centenas de autorretratos, feitos principalmente em frente a espelhos e vitrines, tudo aquilo chamou atenção. Chegaram, inclusive, a questionar se as fotos eram verdadeiras ou “pegadinha” de internet.
Enquanto isso, Maloof não desistiu de encontrar a autora. Em 2009, finalmente, achou um obituário no jornal “Chicago Tribune”, do dia 23 de abril. O texto curto dizia: “Vivian Dorothea Maier, francesa de origem e moradora de Chicago nos últimos 50 anos, faleceu em paz na segunda-feira. Foi uma segunda mãe para John, Lane e Matthew. Sua mente aberta tocou a todos que a conheceram. Sempre pronta a dar sua opinião, um conselho, uma ajuda”.
John, Lane e Matthew eram irmãos e filhos de uma família para quem Vivien Maier trabalhou durante 17 anos como babá, profissão que exerceu por pelo menos 40 anos. No documentário, que é dirigido pelo próprio Maloof, em parceria com Charlie Siskel, a história está pronta, mas imagina-se o trabalho de detetive de Maloof para resgatar essa história, para a qual foram entrevistadas 90 pessoas.
Vivien Maier nasceu em Nova York em 1926, filha de pai austríaco e mãe francesa, que se separaram quando ela ainda era bebê. Passou a infância e adolescência em uma pequena cidade na França, em Saint-Julien-en-Champsaur, onde começou a fotografar, com uma Kodak Brownie. Em 1951, aos 25 anos, voltou para Nova York e começou a trabalhar como babá, porque assim teria “liberdade”, segundo os relatos. Durante suas saídas com as crianças, fotograva compulsivamente. Mas nunca mostrou suas fotos para ninguém.
Além do documentário, o corretor de imóveis que agora virou curador, tem se dedicado a lançar livros e promover exposições sobre a autora, mas não foi bem-recebido por instituições como o MoMA e a Tate Modern. “Eles não consideram as fotos como visão do artista se não forem impressas pelo próprio artista”, explica.
Assim, mesmo com o aval da crítica especializada, dos fotógrafos profissionais e de uma legião de fotógrafos amadores, Vivien Meier foi revelada, mas continua fora das grandes galerias. Sabe-se que era exigente, pois usava uma Rolleiflex, formato médio 6 x 6 cm (mais tarde também usou as Rolleiflex 3.5T, 3.5F, 2.8C, uma Leica IIIc, além das Ihagee Exakta, Zeiss Contarex, entre outras) e que tinha grande talento e noção de fotografia.
Há muito mais por vir. Maloof arrematou toda a sua obra, com cerca de 150 mil negativos e mais de 3 mil fotos impressas, além de centenas de rolos ainda não revelados e filmes de 8 mm.
Quem sabe ainda não veremos o olhar de Vivien Maier pelas esquinas de Copacabana? “Por que você está me fotografando?”
Trailer
Dani, mais um texto seu que curto com o maior prazer, que sensibilidade deste jovem John Maloof e sua tbém, ao contar ao história da jovem Vivian Maier…muito bom, que venham muitas histórias…Amei…
Parabéns pelo artigo Daniela. Incrível história. Foi muito especial como este corretor conseguiu enxergar a arte criada por esta babá. Amei.
Vou assistir imediatamente. Linda história você contou. Quero mais. Um grande beijo, Dani.
Obrigada Alzi! Veja mesmo, é muito bacana! Teremos mais sim!
Dani estou desenvolvendo um projeto amador no curso de fotografia sobre ela. Poderia dispor de algum material ? Otima materia
Olá Meiriane, apenas vi o filme e escrevi sobre ele. Não tenho nenhum tipo de material… Abs
Achei muito lindo, interessante e cultural esse artigo, assim como o outro.A Dani sempre teve muito talento.
Obrigada! Um beijão