Por uma dessas coincidências da vida, o primeiro convite para assistir a um filme em sessão para jornalistas no Rio de Janeiro, onde passo uma temporada, foi justamente o de uma diretora campineira. Juliana Rojas, em sua primeira incursão solo depois de co-dirigir o premiado “Trabalhar Cansa” com Marco Dutra, apresenta “Sinfonia da Necrópole”, prêmio da crítica no Festival de Gramado do ano passado, que tem estreia nacional nesta semana (14 de abril).
Antes da sessão faço uma pesquisa rápida e o trailer logo chama atenção. Um filme musical sobre coveiros? Pergunto aos amigos, críticos de cinema, suas impressões. “Você tem que ver, vai gostar.”
E assim o estranho mundo de Juliana Rojas está na tela. E sim, Marco Dutra, parceiro desde a época da faculdade, continua ao seu lado, assinando as letras da trilha sonora. Juliana Rojas e Marco Dutra são dois nomes promissores da nova leva criativa de cineastas brasileiros; na sessão para jornalistas parece que ninguém tem realmente ideia do que esperar, mas adivinha-se que será algo novo.
Assim que os números musicais começam alguns se remexem, talvez pela lembrança daquelas tantas sessões da tarde de musicais de Hollywood, para o bem e para o mal…
O filme é uma versão ampliada e mais bem acabada de um telefilme que a própria diretora fez para a TV Cultura, em 2013, chamado “A Ópera do Cemitério”. A história é centrada em um jovem simplório, Deodato (Eduardo Gomes), um ajudante de coveiro sensível, que toca piano e tem dó dos mortos. Conseguiu o emprego graças a uma indicação do tio, coveiro experiente.
Uma vertigem, um desmaio, uma canção. E Deodato na expectativa de que irá perder o emprego, enquanto acumula atestados médicos por suas faltas. Não quer aquela vida, está claro. As músicas vão e vem enquanto a batida das pás dos coveiros vira samba na inusitada mistura entre humor, música e melancolia.
Entre um e outro número musical, alguns muito bem executados, apresenta-se a trama: Deodato, tão incapaz, é empurrado para ajudar a funcionária do necrotério, Jaqueline (Luciana Paes), em um processo de recadastramento dos mortos. Por trás do trabalho há um plano para ganhar mais dinheiro: reorganizando os túmulos, eliminando os que foram abandonados, abre-se espaço para mais “clientes”. Jaqueline faz o tipo exótica, motoqueira, independente, apaixonada pelo trabalho. Logo Deodato se impressiona e tenta impressionar.
A química entre os atores funciona e, mesmo sem serem cantores profissionais, vale destacar que seu dueto na sala dos caixões é um dos melhores momentos musicais do filme.
Uma galeria de personagens dá leveza para a trama, com uma pegada no trash, outra no humor, apesar do tema tão sombrio. O chefe de Deodato (“malditos góticos”, quando é informado das vozes ouvidas pelo cemitério), o padre especializado em extrema unção fominha por hóstias (“não foram benzidas”), um homem que espera ansiosamente pela própria morte (“guarda esse túmulo para mim”), o conselho do tio coveiro (“isso não é da sua ossada”) e por aí vai…
Em um dos números musicais, os mortos saem de suas sepulturas para entoar sofrimento sobre a retirada de suas ossadas daquele que é o seu último lugar de descanso. Impossível não lembrar de casos parecidos que ocorreram nos cemitérios brasileiros nos últimos anos. Deodato parece ser o único a se importar e toma uma decisão extrema.
E a história termina como deve terminar.
O final, abrupto, talvez seja como o da própria vida. Corte seco, inesperado, simplesmente a escuridão. As luzes são acesas. Uma jornalista sorri e diz que adorou. Outro reclama do fim sem fim. Um terceiro fica na dúvida.
Lá fora, o sol castiga e é hora de seguir na vida dos vivos.
Trailer
Como você sabe, não sou muito fã de cemitérios….mas sabe que, através de suas observações vou gostar de assistir pois vi muitas cenas interessantes.Mais uma vez, parabéns pelo texto.