Jean-Claude Bernardet completa 80 anos nesta semana (4 de agosto). Sua festa de aniversário é a estreia de “Fome”, dirigido por Cristiano Burlan. Um dos maiores pensadores do cinema do Brasil, escritor, professor de cinema da USP e da UnB e roteirista de muitos filmes importantes da filmografia nacional, tem se aventurado como ator nos últimos anos. E se sai muito bem. Em “Fome”, é “quase ele mesmo”, caso tivesse optado por jogar tudo para cima e ir morar na rua. Pela atuação, recebeu o prêmio especial do júri no Festival de Brasília do ano passado.
O filme em preto e branco acompanha as perambulações de um ex-professor universitário que virou mendigo por opção. Com seu carrinho de supermercado cheio de quinquilharias, atravessa São Paulo em sequências desconcertantes. Experimental, transgressor, instigante, “Fome” é um filme para poucos, difícil de assistir, mas necessário. Na apresentação para a imprensa, na semana passada, no Rio de Janeiro, vários deixaram a sala antes do final. Pior para eles, que perderam a bela sequência final.
A verdadeira persona de Bernardet, belga de família francesa que veio morar no Brasil com 13 anos, fica evidente em cenas como quando o agora morador de rua é confrontado por um ex-aluno, que carrega um grande ressentimento pelo professor. O ex-aluno, aliás, é interpretado pelo crítico de cinema Francis Vogner, em mais uma brincadeira entre realidade e ficção. A conversa passa a discorrer sobre temas caros, como o valor teórico e o valor da atividade intelectual do próprio cinema, em um momento dos mais saborosos, pelo menos para quem ama cinema (meu caso!).
Essa e muitas outras cenas foram frutos de improvisação, garante o diretor. Mas, para permear a perambulação de um morador de rua fictício, o filme dá voz a personagens da vida real. Da legião dos sem-teto que se enroscam em seus cobertores nas esquinas de São Paulo ouve-se comoventes histórias de companheirismo. Não é um documentário, mas poderia ser. A universitária (Ana Carolina Marinho) ouve os depoimentos dos mendigos para um trabalho e acaba conhecendo o sem-teto estrangeiro. É tocante a sequência na qual Bernardet a ensina uma canção tradicional francesa. Em outra cena, um casal sai de um restaurante caro e, ao ver o mendigo, tenta dar o resto do jantar a ele. “Eu pedi alguma coisa?”, questiona Bernardet.
Vale destacar ainda as cenas do sem-teto carregando um outro morador de rua dentro do carrinho de supermercado e uma sequência em que dança em câmera lenta, Mas, talvez a mais bonita, é quando caminha no Minhocão, abraçado a um cantor travestido na escuridão da madrugada.
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