A fila já indicava que aquela não seria uma sessão de cinema trivial. No final da tarde de domingo, em frente ao Cine Odeon, um dos poucos cinemas de rua ainda em atividade no Brasil, muitos dos que esperavam para conferir “Aquarius”, segundo filme do pernambucano Kleber Mendonça Filho, tinham começado o domingo acompanhando os protestos contra os rumos políticos do Brasil, na rua ou nas redes sociais, já que as TVs pouco mostraram.
“Aquarius”, por uma feliz – ou infeliz? – coincidência, começou sua carreira na telona com um ato político inesperado no tapete vermelho do Festival de Cannes. Na première, os cartazes levados por diretor e elenco chamaram tanto a atenção quanto as qualidades do filme. E elas são muitas. Depois, ao entrar em cartaz, na quinta-feira passada (1º de setembro), outra coincidência: “Aquarius” chegava aos cinemas justamente um dia após o governo federal mudar definitivamente de mãos.
Nesse meio tempo outras polêmicas e algumas premiações mundo afora garantiram o “marketing”, mesmo que involuntário, do filme cuja protagonista, Clara, vivida com muito talento por Sônia Braga, acaba se transformando em uma espécie de símbolo de resistência de um resistente Brasil coronelista.
O cineasta vai além: define seu novo trabalho como um “filme de amor”. Com uma trilha sonora de primeira acompanhamos a trajetória de Clara, que sobreviveu a um câncer na juventude, é jornalista, escritora, mãe e, nos tempos atuais, viúva. A protagonista mora em um prédio antigo em frente à Praia de Boa Viagem, no Recife, que está no centro das atenções de uma construtora. Assim como mostrado em “O Som ao Redor”, seu primeiro filme, Kleber Mendonça Filho volta ao foco da fome de prédios modernos vivida no Recife, que descaracterizou completamente sua orla. E o amor que ele nos mostra é aquele que transborda quando, por exemplo, olhamos nossos álbuns antigos de fotografias.
A obstinação afetiva de Clara pelo local incomoda, mas não deixa de ser compreensível. Ela não quer vender seu apartamento, local que guarda tantas memórias, e acaba sendo a única a sobrar por ali. Passará por poucas e boas em sua batalha solitária, rodeado por sua coleção de discos e livros, uma mídia física que não tem mais cabimento no metro quadrado de cada um de nós, como tentam nos fazer entender.
Mas, como um bom filme em camadas, o que o roteiro revela, entre uma e outra sequência, passa por questões como a arrogância de um certo tipo de elite, misturada a temas caros, como a relação entre pais e filhos, patrão e empregados, solidão, racismo, revolução sexual, além de toda a polarização que o Brasil enfrenta há muito, e que parece tão longe de uma solução.
A maioria, garanto, esperava por um desfecho catastrófico. Mas o final é outro, mais simbólico, mas não menos aterrorizante, e carregado pela frase nos créditos: “Nada a temer”. Naquela guerra de uma mulher só muitos se reconhecem. Quando o filme termina, a catarse veio mesmo foi da plateia: aplausos, aplausos, mais aplausos e gritos e palavras de ordem, tal e qual uma torcida que vibra com a vitória de seu time. Um time chamado Brasil.
TRAILER
Lindo, Dani!
Obrigada Lalá <3