Crédito: Dafne Cholet/creativecommons.org
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Sob a maldição das agendas fantasmas

carlaozinho_0256_400x400Uns admitem mais abertamente, outros nem com reza brava, mas a verdade é que esse lance de “resoluções de ano novo” é o caô coletivo/histórico/cultural mais deslavado que existe. A megadieta prometida ao deus Narciso sobrevive só o tempo suficiente de a comilança do fim do ano que passou fazer digestão; como academia todo dia, com essa chuvarada de verão?; melhorar o mau gênio de que jeito, se todos os crápulas da sua vida resolveram, mais uma vez, formar uma superliga contra você? Breque no cartão de crédito vira missão impossível, porque descobrimos que aquela merdinha de plástico tem vida própria.

Bem, já deu pra notar que sou do time dos que admitem o caôzão. A minha vergonha extra, entretanto, é que, como sou um cara das antigas, daqueles afeiçoados a papel, sempre tive a mania de registrar minhas “resoluções” na agenda comprada a cada ano — aquelas belezuras de capas duras reluzentes… é, viciado não tem jeito mesmo!

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Crédito: Maurits Verbiest/creativecommons.org

Até daria pra driblar o vexame se, além de tudo, eu não fosse um compulsivo guardador de agendas idas, vítima infeliz de uma espécie de síndrome de Diógenes cronológica. Tô abrindo meu coração de trevas porque, numa típica e ritualística arrumação de armários entreanos dias desses, fui soterrado por uma avalanche de agendas velhas, que, se somadas as datas, cobririam brincando uma década e ainda um cadinho.

Refeito do susto, saco de gelo no galo que me subiu no cocuruto, tomei a sábia decisão de não folhear aquelas relíquias sinistras. Que seus calendários mortos continuassem servindo de pasto aos ácaros implacáveis! Porém, quem disse que sou sábio? Não demorou e lá estava eu, sentado no chão do quarto, com a Selena, minha fiel cachorrinha do lado, lambendo aquelas páginas ressequidas, e tendo a exata medida do quanto tenho sido um tratante por tanto tempo!

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Crédito: Erich Ferdinand/creativecommons.org

As lágrimas de amargura que verti — tá bom, tô exagerando… o baque na autoestima que sofri (melhor assim?) e os espirros de alergia da Selena me convenceram de vez: daqui pra frente, agenda vencida, guerreira cremada. Assim, se eu não cumprir os raios das resoluções de ano novo, pelo menos elas não voltarão mais pra me assombrar.

Ah, pensou que a minha decisão seria não anotar mais resoluções em agenda? Tá querendo demais de um dependente em início de tratamento, não acha não?

 

Sobre Carlãozinho Lemes

Antes do jornalismo, meu sonho era ser... astronauta. Meu saudoso pai me broxou: “Pra isso, precisa seguir carreira militar”. Porém, nunca deixei de ir transmutando a sucata anárquica dos pesadelos em narrativas cambaleantes entre ficção científica, uma fantasia algo melancólica, humor insólito e a memória — essa tumba mal lacrada de maravilhas malditas. Assim, é o astronauta precocemente abortado quem proclama: rumo ao estranho e às entranhas!

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Um comentário

  1. Marcelo José do Canto

    É isso aí, animal… Então… anota aí na agenda pra gente tomar um café… (kkkkkkkk… Ah… Mas avisa…