Tudo está conectado. Eu, como uma criança que cresceu num sítio cercado pela natureza, aprendi logo cedo sobre essa importante lei dessa natureza.
Num dia normal, nos meus 9 anos, saí para pescar com meu pai; era daqueles dias quentes de céu azul com poucas nuvens, e um sol de 40 graus torrando nossos miolos. No meio da pescaria tirei minha camisa empapada pelo suor e a joguei num canto. Meu pai, talvez na intenção de justificar aquele calor, me disse: “Sabia que você faz parte do céu?”.
“Claro que sim”, respondi entediado, “O padre Zé me falou que, quando eu morrer, eu vou pra lá”.
“Não é isso que eu quero dizer. Tá vendo aquelas nuvens lá em cima? Você sabia que uma parte de você tá lá?” Olhei pra cima e não entendi o que ele estava querendo me dizer.
“Seu suor” continuou ele “é água, que um dia foi nuvem, que caiu na terra em forma de chuva, que irrigou as plantas e que fez a vida. Tudo neste mundo está conectado e você faz parte disso.”*
Naquele dia, tivemos uma péssima pescaria, mas o que meu pai falou ficou marcado profundamente naquele magrelinho e cabeçudo garoto de 9 anos.
Meu pai, com sua quarta série primária, falou o que os cientistas estudam durante anos. O princípio universal de nossa existência aqui na terra, e tudo o que rege o seu funcionamento: vida, interação, adaptação, unidade…
Pesquisadores do Marx Planck Instituto na Alemanha, em parceria com o Departamento de Ciências Planetárias e da Terra em Israel e do Departamento de Física Aplicada na Finlândia, publicaram, recentemente, um trabalho na revista Nature sobre como as condições ambientais são afetadas pelo impacto de plantas na formação de nuvens. Esse trabalho mostra, dentre outras coisas, de que maneira insetos, alimentando-se das folhas de uma planta, interferem na formação das nuvens.
Todas as plantas têm cheiros, que nada mais são do que uma mistura de substâncias químicas voláteis. Vá um dia numa mata e lá respire profundamente, ou cheire uma folha de eucalipto ou uma flor, o cheiro que você sentirá é fruto dos compostos químicos voláteis. Eles são produzidos por qualquer planta e possuem muitas funções, sendo que uma delas está ligada a respostas de defesa quando algo vai mal com elas.
Muitas coisas interferem na produção desses compostos voláteis. Nesse trabalho, os cientistas investigaram dois fatores: a sua produção sob o aumento da temperatura e o seu surgimento na presença de insetos, além da a relação deles com a formação de nuvens.
Diante do aquecimento global, numa temperatura mais elevada, as plantas produzem uma maior quantidade de compostos voláteis. Diante de ataques de insetos, as plantas modificam esses voláteis, alterando as suas características químicas, elas fazem isso com a intenção de se defenderem dos ataques. Mas, como os voláteis liberados pelas plantas podem interferir na formação das nuvens? Bem, não é tão simples de se entender, mas esses compostos voláteis influenciam no chamado Núcleo de Condensação, ou do inglês CCN (Cloud Condensation Nuclei), esses núcleos são partículas que estão na atmosfera, como poeiras, e é com a ajuda dos CCN’s que o vapor se transforma em líquido.
O vapor de água encontra esses núcleos e, na sua superfície, eles se convertem em água líquida, mas, quando os voláteis, liberados pelas plantas, encontram esses núcleos de condensação, eles modificam a sua estrutura física. Dessa maneira, eles já não funcionariam tão bem quanto antes e, assim, quando o vapor de água encontrar um núcleo de condensação modificado ele não se converterá em água e influenciará na formação de nuvens.
As coisas funcionam assim: a temperatura aumenta e faz as plantas produzirem mais voláteis, mas o calor também vai favorecer o aumento do número de insetos, e eles se alimentarão das plantas que, ao serem atacadas por um maior número, modificam a estrutura química de seus voláteis, e essa maior quantidade de voláteis modificados (gerada pelo aumento da temperatura e pela presença dos insetos) irá para a atmosfera onde encontra, os ditos, núcleos de condensação. Lá, os voláteis alteram a sua característica física, e o vapor de água já não se converterá em água tão facilmente, interferindo na formação de nuvens e, consequentemente, na produção de chuva… e por aí vai uma sucessão de tragédias. Assim, um acontecimento A modifica a B, que modifica a C, que modifica a D… Como numa fila de dominós.
Isso me fez lembrar do efeito borboleta, lembra dele? “Uma coisa tão simples, quanto o bater de asas de uma borboleta, pode causar um tufão do outro lado do mundo.”
Somos um organismo único, somos animais, plantas, insetos e nuvens.
*Camille Seaman: Photos from a storm chaser; o diálogo de meu pai foi adaptado ao texto.
O resultado deste trabalho “Environmental conditions regulate the impact of plants on cloud formation” pode ser encontrado no site da Nature.
Lindo.Maravilhoso.Parabéns.