A praga ressuscitou, estivera congelada por quase 80 anos, sua última vítima fora um cervo. Ao ser enterrado, levou, dentro de si, a praga que ficaria ali morta junto com sua vítima. Todos pensaram que finalmente era o seu fim, que estava morta, mas estavam todos enganados. Num dia qualquer, silenciosamente, ela acordou de seu sono e, como tal era de sua natureza, todos morriam lentamente de seu ataque. Ela não escolhia suas vítimas, morriam animais e humanos. Estavam todos condenados, e a causa, inevitavelmente, foi culpa nossa.
Apesar de parecer história de terror, realmente esse episódio aconteceu em 2016 na Sibéria. A praga em questão é a super bactéria Bacillus anthracis, causadora da doença conhecida como antraz, uma doença capaz de matar em poucos dias se não for tratada, pois ela, em sua forma virulenta, é altamente contagiosa e já causou a morte de centenas de pessoas. Pesquisadores acreditam que essa bactéria se tornou novamente ativa após o descongelamento de um cervo contaminado que permanecera congelado por quase 80 anos em uma região da Sibéria e que, agora, novamente em condições adequadas, a bactéria, que estivera dormente, voltou a infectar e contaminar pessoas e animais.
O assustador disso tudo é que dezenas de cientistas estão comprovando, a cada dia, que bactérias “dormentes” por milhares de anos podem voltar a viver.
Um exemplo recente foi feito por pesquisadores da Universidade de Rutgers em Nova Jersey, onde eles conseguiram “ressuscitar” bactérias de 5 milhões de anos, ou seja, trouxeram à vida bactérias que existiam muito antes mesmo da espécie humana pisar no planeta Terra.
Essas descobertas vêm a trazer ainda mais urgência para uma questão que muita gente acredita não existir ou ser fruto de exageros da mídia: o aquecimento global.
Muitas outras espécies de microorganismos estão hoje enterradas sobre milhares de toneladas de gelo e que, num futuro, com o planeta aquecendo, elas poderiam voltar a viver Estaríamos ameaçados por novas doenças causadas por pragas pré-históricas? Uma onda epidêmica de novas/velhas pragas dizimaria a raça humana?
É muito comum ver correntes de pensamentos de pessoas que não acreditam que o aquecimento global existe, e muitos creem haver exageros de ambientalistas alienados tentando barrar o progresso industrial e o andamento do mundo globalizado.
Não sei bem como e onde surgem essas ideias, talvez as pessoas creiam que os efeitos do aquecimento global sejam algo pontual, com data para acontecer e que virão, como nos filmes de ficção, com uma grande onda varrendo e dizimando cidades, ou num grande tufão engolindo a todos, ou com uma mudança brusca de temperatura, congelando ou torrando tudo e a todos. Mas não, os efeitos do aquecimento para o planeta são silenciosos, muitas vezes, são quase imperceptíveis, pois o aquecimento vai alterando, pouco a pouco e lentamente. Muitos efeitos são difíceis de serem mostrados ao curto prazo e levam tempo para serem notados.
Cito um exemplo de um trabalho, publicado recentemente, de um grupo da Noruega. Esse trabalho teve início em 2002 e, somente nesse ano, podemos vê-lo na sua amplitude com resultados bastante desconcertantes; levamos 15 anos para perceber algo que estava acontecendo e que hoje pode ser irrecuperável.
Ursos polares podem estar abandonando sua dieta à base de focas e animais marinhos para uma dieta à base de ovos, à medida que as temperaturas aumentam no ártico.
O descongelamento glacial está mudando a costa e está tornando mais difícil para ursos polares capturarem suas presas, principalmente focas.
Isso é o que mostra um time de cientistas, liderados por Charmain Hamilton do Instituto Polar na Noruega, que monitoraram ursos polares e focas antes e após o rápido declínio do gelo em 2006 no arquipélago de Svalbard na Noruega. O time colocou rastreadores em 60 focas e em 67 ursos e esses rastreadores permitiam ver como o descongelamento afetava o movimento desses animais.
Antes do descongelamento, o mar de gelo favorecia os ursos na caçada de focas, e eles tinham uma vantagem sobre suas presas, mas, depois, com o descongelamento e a formação de ilhas de icebergs, os ursos perderam essa vantagem. Pesquisadores descobriram que os ursos estavam recuando para longe desses locais. Os rastreadores detectaram que os ursos estavam, agora, vagueando a grandes distâncias, provavelmente, à procura de novas alternativas de alimentos. Eles estavam, agora, passando mais tempo ao redor de ninhos de pássaros, o que significa que ovos passaram a ser uma significante fonte de alimentos para eles. Essa nova preferência está devastando espécies inteiras de pássaros e causando um desequilíbrio ambiental enorme. Estudos realizados mostraram que a população de pássaros na região caiu mais de 90%. O desequilíbrio já começa aí, pois, ao mudar seus hábitos alimentares, os ursos interferem no nascimento de pássaros que, por sua vez, são alimentos das raposas do ártico e, sem pássaros, a coisa se complica para elas.
Para muita gente, essas questões estão fora do seu dia a dia, afinal o que me importa saber que ursos polares preferem comer ovos ao invés de focas se vivo numa cidadezinha quente longe dos trópicos.
O planeta é como uma fila de dominós, e se assim posso dizer, a primeira peça já caiu. Em algum momento, de uma maneira ou de outra, os efeitos chegarão até a cidadezinha.
Para saber mais:
http://siberiantimes.com/other/others/news/n0686-first-anthrax-outbreak-since-1941-9-hospitalised-with-two-feared-to-have-disease/
O artigo “An Arctic predator–prey system in flux: climate change impacts on coastal space use by polar bears and ringed seals” foi publicado pela revista Journal Animal Ecology e pode ser encontrado: http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/1365-2656.12685/abstract;jsessionid=2F41E5E2F792E3EFD62CDF25E88230C8.f02t03