“Monsieur & Madame Adelman” tem um segredo. No chamado boca a boca a produção francesa tem tido sessões lotadas desde que estreou, em março, na França. Sem fazer barulho, chegou ao Brasil em julho e aqui não tem sido diferente. O filme, que marca a estreia na direção do ator francês Nicolas Bedos, já se tornou um daqueles títulos escondidos na programação que se tornam fenômeno. E as sessões continuam lotadas.
O roteiro acompanha a vida de um casal desde os anos 1970. O subtítulo em português, aliás, é “Uma história de amor do início ao fim”. A mulher é vivida por Doria Tillier, esposa de Bedos na vida real e co-autora do roteiro. E o filme começa pelo fim. O corpo do protagonista, Victor, vencedor do Goncourt, o prêmio mais importante da literatura francesa, é velado enquanto a viúva, Sarah, conversa com um jovem escritor e jornalista que prepara uma nova biografia sobre o autor. Naquelas alturas, Victor havia se tornado um dos mais respeitados e premiados autores da França.
Instigada pelo interlocutor, entre um e muitos cigarros, a narradora expõe sua versão da convivência com Victor em 45 anos de casamento. Sarah lembra da primeira vez que o viu em um bar em Paris. A atração se tornou uma obsessão e a estudante de Literatura lutou para chamar sua atenção, muitas vezes não da maneira mais ética. Os esforços seriam recompensados e, já como sua namorada e, depois, esposa, sempre esteve ao seu lado durante a criação de seus premiados livros.
Os filhos nascem, um deles com sérios problemas de aprendizado, os anos passam, o casamento vive suas crises, o amor vai do incondicional ao modo egoísta, e vamos acompanhamos a narrativa até que… há um “plot twist”, aquele momento “de virada”, quando achamos que a história é uma, mas é outra.
Embasbacado, o ouvinte parece não acreditar no que está sendo revelado, quando até mesmo a origem judia do autor mostra-se uma mentira. Sarah diz ao jornalista que gosta de segredos e lamenta que o mundo atual seja tão sem segredos – e como isso é verdade em tempos de redes sociais. E, depois de entregar muitos (mesmo!) segredos ao interlocutor, faz questão de avisar: “se contar a alguém eu nego”.
Entre prólogo e epílogo, já que estamos no universo da literatura, a história contada em capítulos corre em paralelo: os amores e maus humores do casamento de Sarah e Victor ganham como cenário fatos culturais e políticos da França das últimas décadas, como a chegada do socialismo ao poder, muitas vezes em tom irônico. O roteiro é esperto e carrega no bom humor, ainda que um humor “difícil”. Ainda pouco conhecido fora da França, Nicolas Bedos deve ter herdado a vontade de fazer rir do seu pai, o comediante Guy Bedos.
Enquanto conta sua história, que vai do doce sabor dos sorrisos nos primeiros anos de casamento ao filho problemático difícil de amar, a filha que a despreza, o vício em cocaína, o alcoolismo, a tentativa de ter uma nova vida, as circunstâncias suspeitas sobre a morte do marido e o amargo desfecho de uma vida a dois, as situações se sucedem embaladas por diálogos ácidos e uma trilha sonora sensacional. Sarah Adelman vale o clichê de que “atrás de um grande homem há uma grande mulher” e é, desde já, uma das grandes personagens do cinema da temporada.
TRAILER