Estimativas dizem que em 2050 o número de habitantes no mundo será de cerca de 10 bilhões de pessoas, de acordo com a FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação) e para alimentar todos estes habitantes do planeta será necessário aumentar a produção global em até 70%. Entretanto, este aumento não deverá ultrapassar a expansão das áreas de cultivo, do contrário teremos uma crise ambiental e territorial sem tamanho.
Produzir mais alimentos em pouco espaço será um grande desafio que teremos de enfrentar nas próximas gerações. Alinhado a tudo isso, temos muitos outros desafios como as mudanças climáticas, a distribuição ineficiente de alimentos e solos pobres e inférteis.
Meu trabalho me permite conhecer muito sobre como pequenos fazendeiros ao redor do mundo produzem alimentos; como controlam pragas; o que fazem para aumentar a produção; como plantam, colhem e vendem tudo isso.
Uma vez, fui ao Quênia, na África, conhecer de perto a aplicação de uma tecnologia chamada de push-pull. Desde que comecei a me especializar em produção de alimentos, ouvia falar muito sobre essa técnica, aplicada com sucesso na África. Baseado em um conhecimento mais íntimo com a natureza, os fazendeiros quenianos desenvolveram um sistema harmônico de produção, utilizando, para tanto, características que cada planta possui sem utilizar sequer uma gota de agroquímicos comerciais.
Uma das principais causas de insegurança alimentar, observada na África, é a fraca produção de culturas, em grande parte, causada por pragas como insetos, ervas daninhas e, outra parte, por solos pobres e degradados. Isso é ainda mais complicado pelas condições climáticas, pois as temperaturas estão ficando cada vez mais altas e com longos períodos de seca. Mais de 75% das terras aráveis na África são degradadas. O aumento da produção de alimentos é vital para aliviar a pobreza, principalmente na África Subsaariana.
O push-pull foi pela primeira vez descrito por Bruce Pyken em 1987, o método faz uso dos chamados semioquímicos, produzidos pelas plantas. Semioquímicos são compostos químicos produzidos por plantas, animais e microorganismos e sua função é levar algum sinal de um lugar a outro, em outras palavras, eles são substâncias ou misturas químicas que transportam uma mensagem.
Plantas não podem sair do lugar e permanecem onde germinaram por toda a sua vida. Elas evoluíram para se adaptarem a essa condição, e os semioquímicos funcionariam como ferramentas para ela se comunicar e sobreviver. Além desses semioquímicos, elas aprenderam a viver em colaboração com outros organismos. Assim, todos vivendo de comum acordo faz com que eles tenham mais chances de sobreviver. Um desses acordos envolve as raízes, pois as plantas produzem, pelas raízes, compostos nutritivos com microorganismos benéficos, que vivem ali e se alimentam deles; em troca esses microorganismos fornecem às raízes outros compostos que farão a planta crescer melhor, e assim a vida segue.
Na Espanha, trabalhei com um grupo de biotecnologia de rizosfera com interesse para a agricultura. Rizosfera é uma área entre as raízes e o solo, e ali ocorrem as mais diversas relações entre microorganismos e as plantas, relações de comum acordo.
O trabalho envolvia bactérias chamadas de PGPR, ou bactérias promotoras de crescimento vegetal, com que buscávamos bactérias benéficas que pudessem ajudar no desenvolvimento das plantas. Como exemplo, muitas bactérias produzem um hormônio de crescimento vegetal e uma infinidade de outros compostos que, antes, se pensava ser produzido exclusivamente por plantas. Esses acordos existem há milhares de anos e, pouco a pouco, a ciência vai desvendando as relações, e muitas descobertas são bastante surpreendentes.
Entendendo essas relações de ajuda mútua é possível propor novos métodos de controle de pragas e melhorar a produção de alimentos.
As plantações de milho do Quênia sofrem muito com ataques dos chamados “stembores pests”, que são assim chamados de classes de insetos que se metem dentro da planta. Uma delas é um tipo de mosquinha, que põe ovos nas folhas do milho e, quando esses ovos eclodem, a lagarta que acaba de nascer devora tudo o que se vê pela frente, enfraquecendo o milho e dizimando milharais inteiros. O uso de agrotóxicos ali é muito complicado, pois os fazendeiros não têm recursos para realizar um tratamento completo devido aos altos preços. Como desgraça pouca é bobagem, e tudo ainda pode piorar, os solos do Quênia sofrem muito com uma erva daninha chamada estriga, e essa acaba sendo muito pior do que os próprios insetos e, acredite, ela é muito sádica!
Estrigas são ervas parasitas de raízes e atacam culturas de cereais, como o milho. Elas prejudicam o crescimento normal da planta através de três processos: competição por nutrientes, comprometimento da fotossíntese e efeito fitotóxico. Esses estresses fazem o milho perder sua capacidade de tolerar o ataque de insetos ficando fraco e, por fim, se definhando. Seria como se alguém lhe segurasse enquanto outro lhe daria socos; a estriga seria o cara que lhe segura enquanto as lagartas o cara que lhe daria a surra.
Na foto uma plantação de milho é possível observar o desmodio e o capim napier vivendo em harmonia (foto André Sarria)
A infestação por estriga causa perda de produção de até 100% na produção de milho. Aqui confirmo que não me equivoquei ao digitar: as perdas são de cem porcento!
A única solução para os agricultores é abandonar seus campos infestados ou incendiá-los e tentar no próximo ano.
Existe ainda um detalhe na estriga que torna essa erva daninha ainda pior. Lembre-se de que chamei ela de sádica, pois a estriga produz sementes que se assemelham a grãos de poeira, uma só planta produz milhares de nano-sementes que se espalham pelo solo e ali permanecem dormentes por mais de dez anos. Assim, a cada vez que os pequenos fazendeiros tentam uma nova safra de milho, as sementes dormentes da estriga germinam, crescem e lançam mais sementes ao solo, piorando ainda mais a situação. E, você achando que lagartas em sua horta de couves eram o pior que podia lhe acontecer!
Conforme disse acima, as plantas produzem sinais de comunicação, e os semioquímicos (compostos voláteis), produzidos pelo milho, atraem as mosquinhas e ali elas fazem a ovoposição. Os quenianos descobriram algo interessante: eles viram que o capim napier também atraía essas mosquinhas e viram que elas, em muitos casos, preferiam pôr seus ovos no capim do que no milho.Os fazendeiros, então, plantam capim napier ao redor de suas plantações, pois o capim napier também possui uma característica muito interessante e funciona como uma armadilha: quando os ovos eclodem nas folhas de napier, as lagartas famintas ficam presas numa goma que o capim produz e, sem poder se mover e se alimentar, as lagartas morrem em poucos dias. Esse método é bastante eficiente para controlar as mosquinhas. Mas, e a rainha sádica da estriga? Como solucionar este problema? Os quenianos, observando a linguagem da natureza, também descobriram uma maneira de liquidar essa senhora de raízes mortais, e a arma é outra planta, chamada de desmodio.
O desmodio libera, pelas raízes, um composto que ajuda a germinar as sementes da estriga. Elas germinam muito mais rápido pela ajuda desse composto, produzido pelo desmodio, mas se o desmodio favorece a germinação da estriga, qual a vantagem de usá-lo? Como posso alimentar e dar abrigo a quem vai roubar minha casa?
O desmodio utiliza um artificio bastante sofisticado, eu devo dizer, ele libera também outro composto pelas suas raízes, o que impede as raízes da estriga de se desenvolver. É uma sacada de gênio. Vocês se lembram que acima eu disse que as sementes da rainha sádica da estriga ficavam dormentes por até dez anos? Pois bem, o desmodio chega de supetão, acorda todas as malditas que estavam ali dormindo e, quando elas acordam, com um golpe de misericórdia arranca todos os seus pés e a maldita dama sádica morre agonizando e, nessa competição, quem acaba ganhando é o desmodio, sendo que a vantagem é que o desmodio não está muito interessado em parasitar o milho, e ambos vivem bem lado a lado.
Outra vantagem é que o desmodio produz semioquímicos que não são agradáveis para a mosquinha, já que, na composição do odor do desmodio, existem compostos químicos que repelem as mosquinhas, empurrando elas para fora do campo, e não se esqueça que ali do lado de fora existe o napier que produz compostos químicos que atraem elas. Daí o nome, push-pull ou empurre e puxe. O desmodio mata a estriga e produz compostos voláteis que repelem as mosquinhas para longe, sendo que o napier atrai essas mosquinhas, matando suas lagartas que ficam grudadas na goma.
O push-pull é isso: juntar todas as características de cada planta e montar um sistema único e harmônico pelo qual cada membro teria um papel diferente. Quando fomos conhecer esse sistema, senti uma dose de esperança ao ver que alimentos de qualidade estavam sendo produzidos ali no Quênia sem grandes custos, e é bacana ver gente feliz comendo bem.
O caso que descrevi aqui com o desmodio e o capim napier funciona para o problema da estriga e da mosquinha. Quando se conhece a fundo os problemas enfrentados por cada produtor, é possível propor outros push-pulls. O que precisamos é de mais pesquisas que tragam, para o cenário, descobertas de espécies de plantas que podem contribuir de alguma maneira quando em harmonia com outra. O grupo de pesquisas, em que trabalho, está desvendando esses segredos secretos de cada planta: o que elas produzem,como elas se adaptam, como elas sobrevivem em colaboração com outros organismos. Esta ciência é chamada de Ecologia Química.
Vejo-me sentado numa cadeira falando com uma grama: mas então, me fale mais sobre você? De quem você gosta? O que você faz quando você não gosta de alguém? Você tem algum cheiro secreto que mata inseto? Essa técnica de push-pull, inclusive, vem sendo usada para controlar diversas pragas, inclusive no meio veterinário como, por exemplo, a mosca tsé-tsé que causa a doença do sono, uma enfermidade seríssima que existe no Congo e, para controlar essa mosca, eles utilizam Búfalos e Antílopes e também, aqui no Brasil, como alternativa no controle de carrapatos no boi, mas isto eu conto uma outra hora.
CARACTERIZAÇÃO MOLECULAR E BIOQUÍMICA DA ADAPTAÇÃO DE UMA VARIEDADE COMERCIAL DE TOMATE (Solanum lycopersicum L.) AO SISTEMA DE PRODUÇÃO DA AGRICULTURA NATURAL
NELSON SALGADO TAVARES
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Biologia Vegetal do Centro de Ciências Humanas e Naturais da Universidade Federal do Espírito Santo como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Doutor em Biologia Vegetal na área de concentração Fisiologia Vegetal.
Aprovada em 26 de maio de 2017.
RESUMO
Avaliou-se a adaptação e produção de tomateiros cultivados sem e com adubos orgânicos em plantios da variedade comercial ‘Especial para Salada’ cujas sementes foram produzidas pela Topseed® (T0) e selecionadas com as técnicas da agricultura natural em 15 plantios consecutivos (T15). Foram feitas comparações entre T15 e T0 nos sistemas de plantio da agricultura natural sem adubo (NF) e da agricultura orgânica com adubo orgânico (OF) e sem o uso de defensivos, ambos não irrigados. Os cultivos foram realizados na Fazenda de Agricultura Orgânica da West Virginia University-WVUOAF (EUA), divididos em dois tratamentos, não adubados (NF-T15, NF-T0) e dois adubados com composto orgânico (OF-T0 e OF-T15), no delineamento experimental de blocos casualizados, com cinco repetições e cinco plantas por repetição, determinou-se a produção e as características moleculares das plantas. Para os estudos bioquímicos foi feito um plantio com os mesmos tratamentos no município de Marechal Floriano-ES. As plantas não adubadas NF-T15 e NF-T0 apresentaram as melhores produtividades com as menores perdas de frutos lesionados por doenças e pragas. Os tomateiros NF-T15 apresentaram defesas mais eficientes apesar de terem os menores teores de lignina, 6%, nos frutos e menos flavonoides nas folhas. Os tomateiros adubados OF-T0 e OF-T15 tiveram mais lignina nos frutos e mais flavonoides nas folhas, porém tiveram as maiores perdas na produção. Os resultados da atividade dos genes avaliados em T15 e T0 cultivados sem nitrato
mostram que os tomateiros T0 tiveram os mesmos níveis de expressão que as plantas T15, em
cinco dos seis genes estudados nas raízes, revelando que T0 se adaptou à ausência do nitrogênio
inorgânico na adubação. Independente do meio com ou sem nitrato, a atividade do gene NRT1
nas folhas foi a maior em T0 e a menor em T15. Esse resultado pode ser relacionado à
suscetibilidade das plantas adubadas e as defesas das não adubadas. Os tomateiros NF-T15
produziram 29 t/ha e NF-T0 nas mesmas condições produziu 38 t/ha. Os resultados mostraram
que T0 obteve rápida adaptação nesse primeiro cultivo sem adubos e que T15 cultivada há
muitos anos sem adubos apresentou resistência mais eficiente nos tomateiros não adubados. O
adubo orgânico contribuiu para a menor atividade dos genes associados à defesa nas plantas
adubadas, por este motivo a adubação foi prejudicial à produtividade dos tomateiros cultivados
no sistema de plantio orgânico.
Palavras-chave: Agricultura Natural · tomate · agricultura orgânica · biologia molecular · fenóis