(Foto CC0-Creative-Commons)
(Foto CC0-Creative-Commons)

Nossa água e vitamina C de todo dia

Vamos imaginar que você tenha duas opções para tomar um comprimido efervescente de vitamina C. Um dos comprimidos é de vitamina C que foi extraída de frutas cítricas frescas, orgânicas e colhidas, utilizando um método ecologicamente correto. O outro comprimido é de vitamina C que foi sintetizada em um laboratório escuro e sujo, utilizando, para isso, diversos reagentes químicos tóxicos e fedidos.

Qual vitamina C você tomaria? Muito provavelmente, você, que é uma pessoa preocupada com sua saúde e quer utilizar ao máximo produtos de origem natural, a escolha seria óbvia, não é?

Mas, pense novamente, não se deixe levar pelo cenário que apresentei. O que pesa mais? Um quilo de chumbo ou um quilo de algodão?

A vitamina C será sempre vitamina C, não importando se veio de uma fruta ou se foi sintetizada em um laboratório, pois a vitamina C é um composto orgânico que tem uma estrutura única. Ela contém 6 átomos de carbono, 8 átomos de hidrogênio e 6 átomos de oxigênio. É um pó branco que se dissolve em água, e ambas terão a mesma característica física e química.

Não existe nenhum equipamento que seria capaz de diferenciar a vitamina C da laranja, da vitamina C feita em laboratório. Não irá identificar diferenças porque não há diferenças.

Jornais e outros veículos de informação adoram utilizar esse viés, quando querem levar seus leitores ao caminho que eles querem. A vitamina C também é chamada de ácido ascórbico, mas, entre nós, sem conhecer nada de química, você está mais disposto a tomar vitamina C, pois ácidos não lhe parecem algo que você gostaria de colocar na boca.

Muitos especialistas em dietas saudáveis e fitness utilizam essa mesma linha para incentivar seus consumidores a aderir a um tipo de alimentação ou para demonizar uma outra. A moda da vez é a água. Sim, estão gourmetizando nosso mais precioso e vital produto. Estão colocando uma roupa chique nela e a expondo em vitrines dos mais caros shopping centers do mundo.

Muitas empresas estão elevando a água a um produto altamente rentável, convencendo-lhe de que algumas águas são mais especiais que as outras. Eles fazem uso, para isso, das mais absurdas e inimagináveis explicações pseudocientíficas.

Outro dia, fui pegar um voo e, antes de embarcar, comprei uma garrafa de água. Para minha surpresa, ali, o rótulo da garrafa não indicava claramente que aquilo ali era água mineral, mas sim vapor destilado de água com adição de eletrólitos”. Nossa, isso me pareceu algo revolucionário. Esse incrível líquido de hidratação me parecia algo que eu deveria adotar para ser saudável, e com a vantagem de que contém eletrólitos. Já ouvi falar desse negócio outro dia, acho que eletrólitos tem alguma coisa a ver com rendimento de atletas e que faz o organismo funcionar melhor. Estava orgulhoso de mim mesmo. Saquei o celular e rapidamente fiz uma selfie, pois o mundo precisava saber que agora eu tomava vapor destilado de água.

Vapor destilado de água com adição de eletrólitos (Foto Arquivo Pessoal)
Vapor destilado de água com adição de eletrólitos (Foto Arquivo Pessoal)

Não sei bem, mas acho que por trás dessas gourmetização de produtos e das dietas da moda existe um sentimento de status social, ser diferente dos outros. É algo que lhe eleva a um nível diferente dos demais. A ex-doutora em naturopatia, Britt Marie Hermes, disse que isso faz você se sentir privilegiado, como se você possuísse um conhecimento secreto, e isso cria delírios de grandeza. É uma realidade distorcida.

Fiz uma busca nessa nova moda de gourmetização de águas e encontrei uma marca, muito acima em “qualidade” da que eu bebera no aeroporto. No rótulo, dizia a seguinte mensagem… abre aspas: Você estará bebendo água pura estruturada. Nossa água épica, filtrada, restaura as moléculas de água para o seu verdadeiro estado original e energizado. Ela é livre de toxinas e é carregada com extra oxigênio para criar um perfeito balanço de pH. Esta água te hidrata até três vezes mais que água da torneira ou água de garrafa.” fecha aspas.

Uaaaaaaau, toma meu dinheiro agora!

Uma água mais saudável? (Foto Arquivo Pessoal)
Uma água mais saudável? (Foto Arquivo Pessoal)

Em se tratando de água, você deve só se preocupar com um problema: se a água é boa para consumo, se ela está livre de substâncias tóxicas (venenos, metais pesados) ou de microorganismos, do resto, tudo não passa de besteiras socadas em sua cabeça por gurus de dietas, apoiadas, obviamente, por empresas. Não adianta buscar por uma água mais saudável, uma água orgânica ou livre de glúten ou até mesmo uma água detox, não adianta buscar por uma nova água, pois ela não existe.

Em todos os laboratórios de análises existe uma água especial, chamada de água miliQ® ou água deionizada. O que significa isso? Água, como todos sabem, é uma molécula feita de dois átomos de hidrogênio com um átomo de oxigênio. A água deionizada, em teoria, seria a chamada água pura, porque ali contêm somente moléculas de H2O, mas, incrivelmente, essa água não é própria para consumo e você poderia morrer se a ingerisse, pois suas células absorveriam tanta água que elas explodiriam e você teria danos cerebrais, coma e morte. Mas, por quê, então, a água que bebo diariamente não me mata? A resposta está nos sais dissolvidos nela. São esses sais que permitem controlar o interior e o exterior das células, regulando, por assim dizer, a quantidade de água que entra e a que sai das células. A isso chamamos de tonicidade. Água pura, ou H2O sem nenhum sal, é o liquido com a maior tonicidade possível.

Quando lhe vendem uma água e querem dizer que aquela água é mais saudável, eles dizem que ela contém a adição de eletrólitos, mas, na verdade, estão se referindo aos sais que estão ali dissolvidos: os carbonatos, bicarbonatos, cloretos, fluoretos e tantos outros. A moda agora é que a palavra “eletrólitos” é mais adequada para um público saudável do que a palavra “sais” e ainda melhor do que “sais de metais dissolvidos”. Eu hein! Beber uma água contendo sais de metais? Mas no fundo é tudo a mesma coisa.

Quando dizem ser vapor de água destilado, estão se referindo a um processo de esterilização da água para a remoção de microorganismos ou excesso de sais. Fervem a água, ela evapora e se condensa novamente em água líquida, mas, nesse caminho, muitos sais são perdidos e, por isso, a adição posterior de sais, ou como você preferir, de eletrólitos.

 

 

 

Notas: Não levei em consideração os enantiômeros do ácido ascórbico, visto que a forma mais comum é o L-ácido ascórbico.

Talvez a proporção de algum isótopo, entre a vitamina C produzida pela planta e a sintetizada pelo homem possa existir, mas, mesmo assim, ela seria vitamina C.

Quando uma água contém uma grande quantidade de sais de cálcio e magnésio, ela é chamada de água dura, e isso depende das condições geológicas e dos tipos de rochas e minerais em que está a fonte.

 

Sobre André Sarria

Os certificados e papéis dizem que eu sou cientista, mas prefiro ser mais um "escutador" da natureza do que cientista. A natureza fala e eu a traduzo em linguagem de gente. Nasci em Cajobi e trabalhei em Londres como Pesquisador no Rothamsted Research. Atualmente moro em Madrid onde sou Diretor de Pesquisa e Desenvolvimento em uma empresa Europeia de agricultura.

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