Foto Hernán Piñera_Human rights without (creativecommons)
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O que é ser humano?

Andre_PB_400x400“Aceitar a ideia de que somos uma máquina biológica pode nos levar a um caminho bem perigoso.”

 

O que é ser humano? Talvez esta seja a questão mais filosófica e antiga que existe desde a aurora da humanidade. Hoje existem três grandes e influentes definições. A primeira é a visão teológica do cristianismo de que o ser humano é feito à imagem e semelhança de Deus.

A segunda é uma posição mais filosófica define ser humano como possuidor de uma consciência própria e racional. Finalmente, existe o ponto de vista biológico pelo qual o ser humano é definido e diferenciado dos outros animais pelo seu DNA.

Este debate vai além de discussão acadêmica ou de mesas de bares. Acadêmicos, de longe, vêm argumentando que essas três definições são muito importantes no mundo real, pois influenciam como as pessoas tratam seus semelhantes.

Defensores de cada uma dizem que se escolhermos a definição “errada” acabaremos prejudicando outros humanos.

(Foto creativecommons)
(Foto creativecommons)

cristianismo diz que se você rejeitar a ideia de ser semelhante a Deus você deixará de ver o ser humano como entidade sagrada e passará a vê-lo como uma entidade que poderia ser utilizada para nossos próprios interesses, e coisas como tortura poderiam se tornar mais aceitáveis.

Cientistas sociais têm o mesmo argumento quando falam sobre a visão biológica, e isso levaria as pessoas a ver os seres humanos como animais ou nada além de uma sopa de proteínas e moléculas. Então as vendas de órgãos para transplante vindos de pessoas pobres seriam mais aceitáveis.

Mas será que esses argumentos fazem sentido? Se olharmos alguns episódios de nossa história, talvez sim.

O Nazismo e sua falsa noção sobre o ser humano, baseada em pseudociência racista, contribuiu para o Holocausto e a morte de milhares de pessoas. Nos movimentos eugenistas, cujo objetivo era “melhorar” a raça humana, ali os negros eram definidos como seres inferiores, e o “melhoramento da raça” também fez muito estrago.

E hoje? Para responder a isso é importante notar que o que os humanos realmente são é irrelevante. As pessoas agem com o que elas pensam ser verdadeiro, e a questão empírica por trás disso é: como as pessoas pensam que seu semelhante deve ser tratado?

Um estudo realizado por John Evans, professor de sociologia da Universidade da Califórnia, examinou atitudes de mais de 3.500 norte-americanos.

Inicialmente, ele perguntou às pessoas até que ponto elas concordam com as três definições sobre o que é ser humano. Ele também perguntou se elas concordavam que o ser humano era como máquina; como ser especial comparado com outros animais; como ser único ou se todos os seres humanos são iguais.

Para finalizar, fez perguntas sobre direitos humanos, como:

 

“Devemos arriscar a vida de nossos soldados para parar um genocídio em um país estrangeiro?”

 

“Devemos usar rins de crianças pobres, sem nome e sem futuro algum, vindos de um país na África para doá-lo a uma pessoa com um futuro socialmente garantido?”

 

“Devemos apoiar que pessoas com doenças terminais tenham os aparelhos desligados como forma de se economizar dinheiro dos hospitais?”

 

“Devemos usar a tortura de um suspeito de terrorismo como método de se obter uma confissão e, talvez, salvar milhares de pessoas?”

 

“Devemos tirar sangue de presidiários para repor bancos de sangue mesmo que eles não consintam na doação?”

 

O resultado, para muitos, foi bastante óbvio, pois quanto mais as pessoas acreditavam na visão dser humano com a definição biológica, mais tentadas elas estavam em vê-lo como um objeto e menos a vê-lo como um ser único e especial.

Nas questões sobre direitos humanos, elas estavam menos dispostas a parar os genocídios e mais prováveis em aceitar a compra de rins de crianças pobres, desligar os equipamentos de um paciente terminal para economizar dinheiro e usar sangue de prisioneiros mesmo eles não autorizando.

Pessoas que concordam que o ser humano é apenas um emaranhado de moléculas e proteínas são mais propensas a ter opiniões inconsistentes sobre direitos humanos.

Em contraste, aqueles que acreditam na visão teológica de ser humano estavam menos adeptos em aceitar a tortura ou o tráfico de órgãos.

Antes de qualquer conclusão sobre essa distopia, é importante notar que apenas 25% dos entrevistados acreditam na visão biológica da definição de ser humano, além de ser difícil cruzar os dados e analisá-los, pois está-se lidando com valores estatísticos e números que fogem muito da complexidade humana.

Richard Dawkins vê o ser humano como uma máquina movida a DNA’s, mas  também é um honorário vice-presidente da British Humanist Association que promove ações de direitos humanos e reconhece a “dignidade de cada indivíduo”.

Em muitas situações, a história novamente nos mostra que a visão cristã do ser humano nem sempre foi sobre direitos humanos, que o digam as milhares de mulheres e crianças mortas, queimadas nas fogueiras da Santa Inquisição.

A maneira de se lidar com isso é ver o ser humano como uma entidade sagrada, não da maneira religiosa, mas na ideia secular de dignidade e direitos.

 

 

Para saber mais, o professor John Evans escreveu o livro “What Is a Human?”, New Scientist 6 agosto 2016, pagina 32-33

Sobre André Sarria

Os certificados e papéis dizem que eu sou cientista, mas prefiro ser mais um "escutador" da natureza do que cientista. A natureza fala e eu a traduzo em linguagem de gente. Nasci em Cajobi e trabalhei em Londres como Pesquisador no Rothamsted Research. Atualmente moro em Madrid onde sou Diretor de Pesquisa e Desenvolvimento em uma empresa Europeia de agricultura.

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Um comentário

  1. Ser humano é participar desse momento da existência: ciência, religião… muletas. Somos, estamos e vivemos… compreensões, sentimentos, necessidades distintas; erros e acertos pelo caminho…