Eu gosto muito de carne, principalmente vermelha. Quando me mudei para a Inglaterra tive que reduzir bastante o consumo dela, não por optar por um outro estilo de vida, mas porque, financeiramente dizendo, pagar aqui quase 120 reais o quilo de carne de boi não é nada atrativo. Por conta disso, passei a comer mais legumes e vegetais e, variando bastante no cardápio, hoje consegui reduzir bastante o consume de carne vermelha. Não me tornei um vegetariano, estou bem longe de ser um, mas posso dizer que, com um pouco de criatividade, não é tão difícil viver sem um bom bife.
Não é de hoje que o consumo de carne vem sendo considerado um dos fatores prejudiciais ao meio ambiente estando diretamente envolvido com emissões de carbono e outros gases responsáveis pelo efeito estufa. Mas, de que maneira eu, comendo couve e quinoa, estaria salvando o planeta?
Será que as pessoas deveriam deixar de comer carne se quisessem salvar o planeta de um possível colapso? O veganismo seria uma boa opção para isso?
A resposta curta e bastante simples seria um sim, mas como nada é o que parece ser, a meu ver não existe uma resposta simples.
O veganismo não é bem uma dieta, mas uma filosofia de vida. A primeira sociedade vegana foi fundada em 1979. De acordo com a Vegan Society, o veganismo é uma forma de viver que busca excluir, na medida do possível e praticável, todas as formas de exploração e crueldade de animais para alimentação, roupas ou qualquer outro propósito.
Eu não quero falar aqui sobre ser ou não ser mais saudável comendo somente vegetais, afinal a ciência diverge bastante nisso, mas de dois assuntos que divergem para um mesmo ponto: COMER.
Substitutos Verdes
Para muitas pessoas, deixar de ingerir carne, peixe, leite e ovos seria como deixar de comer bem e morrer de fome, afinal esses alimentos são necessários para encher nosso corpo de vitaminas e nutrientes e nos manter vivos.
“Meus ancestrais não inventaram lanças e flechas para sair correndo atrás de repolho” diz o meme na internet.
Será que uma dieta somente à base de vegetais, grãos e verduras supriria a carência de nutrientes que nosso corpo precisa?
Para tornar-se vegano é necessário muita disciplina, pois para conseguir cobrir todos os nutrientes não é tarefa fácil e exige controle e muita criatividade.
Gorduras são fáceis de serem conseguidas de óleos vegetais, azeite de oliva e até de abacate. Carboidratos estão em altas concentrações em frutas e grãos; proteínas são abundantes em quinoa, lentilha e tofu.
Até mesmo certos aminoácidos, que são facilmente ou quase exclusivamente encontrados em carnes, também podem ser encontrados em alguns vegetais. Um deles é a lisina, um aminoácido abundante no leite, mas que pode ser encontrado em lentilha, feijão preto, sementes de abóbora, quinoa e em leite de soja.
Veganos também não consomem peixes e frutos do mar. Ali se encontra uma riquíssima fonte de óleos do tipo ômega 3. Em crianças, a falta de ômega 3 está associada com desordens e déficit cognitivos. Sua falta está ligada com certos tipos de demência, mas a quinoa contém o ácido alfa linolênico que é um ômega 3. Ingerir a quantidade adequada para suprir a carência é bastante complicado, então a solução seria complementar com suplementos de óleo de alga. Um desafio nutricional que também é muito dito entre os veganos está relacionado com a carência de vitamina B12. Muitos estudos indicam que a deficiência é mais frequente entre veganos. Vitamina B12 é feita por algumas bactérias no intestino de animais e nós, comedores de carne, pegamos essa vitamina deles. Veganos devem então preencher esse vazio com muita quinoa.
Mulheres veganas grávidas ou amamentando, e também seus filhos, devem tomar bastante cuidado, pois já foram reportados tipos de deficiência nutricional, neurológica e desordens fisiológicas em crianças veganas.
Muitos deles precisam de suplementos para compensar uma possível falta de nutrientes, mas se uma alimentação requer complementos, então ela não está sendo boa suficiente e isso levanta questões sobre éticas na alimentação. Por isso, é necessário muita disciplina, planejamento diário sobre o que se irá comer e a quantidade necessária, para não haver falta de nenhum nutriente, pois o mercado vegano ainda é bastante tímido.
Sem leite de origem animal, veganos obtêm o cálcio de couve e brócolis. A recomendação é de 700 mg de cálcio ao dia. Você pode obter essa quantidade em 100g de queijo feito de leite de animal ou de meio quilo de couve. Viu a diferença? Em alguns casos, é necessário ingerir uma quantidade muito grande de vegetais para conseguir suprir certas carências.
Iodo é outro importante nutriente para o funcionamento da tireoide e outros metabolismos; ele pode vir de algumas ervas marinhas. Ferro também pode ser obtido de vegetais, mas a forma de ferro encontrada neles é difícil de ser absorvida pelo organismo. Então, médicos indicam consumir até duas vezes mais vegetais que o normal.
Os veganos também não consomem mel de abelhas, porque o mel é, de uma maneira, um produto de origem animal, mas a contribuição das abelhas vai muito além do mel. Colônias de abelhas são transportadas de fazendas a fazendas para ajudar na polinização de grandes plantações de frutas, verduras e castanhas e assim aumentar a produção delas. Veja um exemplo com as castanhas. Castanheiras florescem somente uma semana e apenas as flores polinizadas dão frutos. Para conseguir o máximo possível de castanhas, os produtores alugam abelhas que viajam centenas e até milhares de quilômetros. Algumas castanhas são produtos de uma espécie de exploração animal e isso vai contra a filosofia vegana.
Planeta verde
Talvez a grande pergunta para as próximas décadas seja: “Como iremos conseguir alimentar tanta gente?”
Estatísticas mostram que, em meados de 2050, a população mundial dará um salto para mais de 10 bilhões de habitantes. Para se ter uma ideia, somente hoje, mais de 800 milhões de pessoas não farão nenhuma refeição por todo o dia, e muitas delas morrerão por conta disso.
A maneira como iremos alimentar tanta gente sem destruir o planeta é um dos maiores desafios da humanidade, pois aquecimento global versus água e temperaturas elevadas; terras agriculturáveis versus desmatamentos; controle de pragas agrícolas versus redução de agroquímicos constitui apenas a ponta de um iceberg feito de 10 bilhões de pessoas.
Um quarto de toda área de terra agriculturável do planeta é usada para a criação de animais e 1/3 do restante é usada para produzir comida para eles. Plantações de soja, por exemplo, causam grandes desflorestamentos, mas isso não é feito para produzir leite para veganos, mas, sim para serem usados para produzir ração para alimentar os animais.
Para se ter uma ideia, 26700 Km2 de matas são derrubados a cada ano para a formação de campos de pastagens. No Brasil, o desmatamento, no período de 2015 a 2016, foi comparado à derrubada correspondente a 128 campos de futebol por hora de floresta, é o que diz a pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM).
Em termos de custo beneficio a pecuária consome mais proteínas do que produz, a maneira ideal seria alimentar mais gente e menos animais. A indústria da carne é também uma grande fonte de gases de efeito estufa, em parte porque pastagem não estoca tanto CO2 quanto florestas e setores da indústria da carne consomem grande quantidades de combustíveis fósseis e também os animais produzem muitos gases como o metano, de longe mais toxico que o gás carbônico. A FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação) calcula que a indústria da carne é responsável por 14,5% de emissões de gases de efeito estufa, o mesmo que todos os trens, carros, barcos e aviões.
Para se ter uma visão mais simples sobre os efeitos que o consumo de carne tem no planeta, vamos analisar uma boa bisteca suína e um pedaço de tofu. Precisamos diariamente de 45 a 55 gramas de proteínas por dia. Esta quantidade pode ser conseguida com uma bisteca de porco de 175 gramas ou com 250 gramas de tofu, mas para se conseguir essa bisteca é necessário uma área de 3,5 m2, enquanto para se obter o tofu e necessário uma área de apenas 0,6 m2. E tem mais, essa bisteca libera mais de um quilo de gases de efeito estufa enquanto o tofu libera apenas 30g.
A National Geographic publicou um artigo bastante intrigante mostrando que são utilizados quase 2500 litros de água para se produzir um simples hambúrguer. A pesquisa envolveu toda a cadeia de produção do hambúrguer, desde o boi pastando lá nos confins do mundo até ele sendo grelhado na lanchonete e chegando numa caixinha Mc lanche feliz.
O Brasil é um dos maiores exportadores de carne e soja do mundo e isso, obviamente, gera um saldo positivo na balança comercial, sem contar todos os empregos diretos e indiretos que a indústria da carne gera. Então, deixar de comer carne traria um prejuízo enorme e uma crise global sem precedentes, mas, consumindo cada vez mais carne estamos levando, a cada dia mais, o planeta a um colapso.
Isso me lembra de uma frase que minha avó dizia muito: não se pode descobrir um santo para cobrir outro.
Alguém tem alguma ideia?
___________________________________________________________
Como anexo a este texto deixo abaixo um apanhado de mitos envolvendo alimentação que acompanha a vida de muitas pessoas que optaram por um estilo de alimentação.
Mito não verde
Muita gente que adere a uma nova filosofia de alimentação acaba por viajar na maionese (nesse caso numa maionese sem ovos) e acaba aderindo a novos e perigosos procedimentos. Sem carne, manter a ingestão diária de nutrientes é bastante difícil. Não sendo isso difícil o suficiente, muitas pessoas acabam dificultando ainda mais e aderem a loucuras baseadas em falsos mitos da dita alimentação saudável, e a comida, ao invés de ser uma maneira prazerosa para se manter vivo, começa a se tornar um inimigo que deve ser combatido. Daí mergulham de vez em procedimentos e crenças sem nenhuma comprovação científica.
De repente, alguém passou a acreditar que o glúten fazia mal e que deveria ser evitado. O glúten é uma proteína encontrada no trigo e que causa sérios problemas a quem tem intolerância a ele. Ponto final, se você não tem intolerância ao glúten por que não ingeri-lo?
A revista BMJ, uma das mais conceituadas revistas médicas do mundo, publicou o resultado de uma pesquisa feita com mais de dois milhões de pessoas durante um período de 26 anos. A conclusão foi a seguinte: “Ingerir glúten não está associado com riscos de desenvolver doenças coronarianas. No entanto, evitar ingerir glúten pode resultar na redução do consumo de grãos benéficos, que sim pode afetar o sistema cardiovascular. Promover uma dieta livre de glúten em pessoas que não têm doenças celíacas não deve ser encorajado”.
Quem disse isso? Médicos especialistas, após avaliarem mais de dois milhões de pessoas, e você ainda acredita que aquele youtuber super descolado ou seu personal trainer sabe do que fala, pois, afinal, os médicos trabalham em parceria com as indústrias farmacêuticas e querem lhe envenenar; não é mesmo?
As crenças não param aí, como acreditar religiosamente que um suco ou um shake irá limpar seu organismo (como se o fígado não fosse capaz de fazer isso). Limpar o corpo de quê? Provavelmente de espíritos maléficos que vivem numa porção de batata frita.
E o açúcar? Sim, ele causa câncer e deve ser evitado, tudo baseado num mito de que o açúcar alimenta o câncer e é mais viciante que cocaína. Não basta a dificuldade de quem opta por uma dieta livre de proteína animal tem em se manter nutrido adequadamente, daí surgem gurus com a proposta dos chamados jejuns intermitentes. De acordo com um site, especialista em alimentação saudável, o jejum intermitente não é uma dieta, mas, sim, um “estilo de alimentação”.
“Os protocolos mais comuns de jejum intermitente são compostos por jejuns diários de 16 horas, ou jejuns de 24 horas duas vezes por semana. Mas, calma. Nós vamos falar disso com detalhes mais à frente.” Bem bonitinho, né? Corra o risco de ficar desnutrido e adoecer, mas fique com seu corpo limpo de impurezas.
Deixei meu preferido para o final.
O enema do café.
Esse enema foi um procedimento inventado por Max Gerson na década de 20. O enema do café é vendido como uma poderosa arma contra as toxinas do corpo, limpando o organismo de venenos e combatendo o câncer. Você só precisa adquirir um kit que contém uma mangueira e uma bomba manual onde a pessoa “envenenada” insere a mangueira no ânus e com o auxílio da bomba injeta café no cólon. Muitas estrelas de Hollywood são adeptas e a atriz Gwyneth Paltrow vende em seu blog esse aparato por 430 reais (quem quiser comprar segue o link https://implantorama.com/index.php/product/quart-size-implant-orama/).
O incrível é que existem muitos adeptos, e muitos pais já realizam esse procedimento em seus filhos. Normalmente, um médico pode sugerir um enema para ajudar a lidar com constipação crônica, ou, antes de procedimentos médicos específicos, mas não preciso dizer que não existe nenhum dado médico que demostra eficiência em enfiar café pelo ânus, né?
O que está por trás desses mitos é um sentimento de status social, ser diferente dos demais. É algo que lhe eleva a um nível diferente dos outros. A ex-doutora em naturopatia, Britt Marie Hermes, disse que isso faz você se sentir privilegiado, como se você possuísse um conhecimento secreto, e isso cria delírios de grandeza. É uma realidade distorcida.
Este texto foi escrito baseado em texto sobre veganismo escrito por Chelsea Whyte para a revista New Scientist (27 de janeiro 2018) páginas 26-31.
A solução pode ser obter proteína de insetos. Bilhões de pessoas já fazem isso todos os dias. Eles são abundantes e muito mais baratos de produzir que a carne. Basta arrumar um jeito da população ocidental aceitar este tipo de proteína animal.
Thanks a lot for the article post.Much thanks again. Fantastic.
André já existem alguns trabalhos publicados, inclusive alguns produzidos pela Embrapa, mostrando que os sistema de produção ILPF – Integração Lavoura Pecuária Floresta apresentam uma taxa de incorporação de carbono maior que as taxas de carbono emitidas na forma de CO2 nesse mesmo tipo de sistema, quando comparados aos sistemas tradicionais de produção.
Além disso, os sistemas ILPF permitem uma maior ciclagem de nutrientes no solo e também tem se mostrado uma forma muito viável de recuperação de áreas degradadas.
Que alguém decida ser vegano, não tenho nada contra, cada um sabe de si… mas o que não concordo de jeito nenhum é que eles decidam que um bicho essencialmente carnivoro por natureza (seus cães e gatos) seja obriguado a comer ração vegetal!!!
Além do mais, como esses veganos podem ter certeza de que os animais não estiveram envolvidos de alguma forma em qqr coisa que eles consumam??? Eles simplesmente vão ao supermercado e compram alimentos de fazendas que podem ter usado animais no processo (galinhas, esterco, alimentação dos funcionários) e ainda tudo o mais da modernidade envolveu pessoas que comem carne (celulares, tv, computadores, roupas, etc,,,)
Concordo totalmente c/ seu ponto de vista! Vi alguns casos em que os veganos se dizem assim porque se recusam a compactuar c/ qualquer exploração animal. Mas como vc bem mostrou o exemplo das abelhas, essa exploração deixa de ser exploração mas de colaboração entre as espécies quando feita c/ respeito, consciência e preocupação com o bem estar animal. As abelhas se beneficiam de nossa exploração quando levamos suas colmeias p/ locais aonde elas vão achar comida! As galinhas nos dão ovos e carne e ainda controlam pragas de lavouras, aranhas, escorpiões e pequenas cobras, enquanto nos lhes garantimos um bom galinheiro reforçado que as protegem de predadores noturnos e ainda recebem uma boa suplementação na alimentação via ração. O que acho que vai acontecer é que se produzirá mais carnes de pequenos animais cuja reprodução é maior e mais rápida e crescimento mais rápido p/ o abate (coelhos, galinhas, patos, ovelhas, cabras, etc). Não precisamos que a proteína seja apenas carne de vaca….