“Visages, Villages” é um pequeno grande filme que, a partir de uma reunião improvável, faz uma viagem pelo interior da França, mas com resultados bem menos idílicos do que os vendidos nas agências de turismo. A oitentona Agnès Varda, cineasta pioneira da Nouvelle Vague, amiga de Jean-Luc Godard, divide o road movie com o jovem fotógrafo e artista JR, que tem espalhado sua arte em grandes espaços ao ar livre mundo afora (inclusive nos Jogos Rio-2016). O resultado encanta.
A dupla encontra uma França envelhecida, sem trabalho, carente, que contrasta com uma força individual que nos é revelada por personagens que são retratos verdadeiros do que é viver e resistir. Por meio da fotografia, o tempo, o nosso tempo, fica congelado a olhos vistos nas gigantescas imagens desses personagens coladas aqui e ali, que chamam atenção e fazem o cérebro desviar pensamentos.
O documentário, premiado em Cannes, Toronto e na Mostra de SP, entre outros, concorreu ao Oscar e renovou a visibilidade para a veterana diretora belga Agnès Varda, que fará 90 anos em maio. A cineasta, aliás, tem dois ótimos documentários recentes no currículo: em “Os Catadores e Eu”, de 2000, ela já havia percorrido a França para registrar pessoas que vivem da coleta do lixo. Oito anos depois, fez um autorretrato emocional em “As Praias de Agnès”, sobre sua vida e obra, que merece ser conhecido.
O contraste com JR, que tem 33 anos, é enorme, mas desaparece um pouco a cada quilômetro rodado naquele furgão equipado para dar vida ao papel fotográfico. “Rostos, lugares” é o que procuram, conforme já indica o nome do filme. E, sem roteiro, eles encontram. Os personagens vão e vem, como o movimento de passageiros dos trens que cruzam a França com sua elegância discreta, alguns deles com vagões estampados com trabalhos de JR. Um dia, aliás, a própria Agnès Varda servirá de modelo, pode esperar.
Entre os retratados estão uma senhora, última moradora de uma vila de mineiros, que se recusa a abandonar o conjunto residencial, hoje vazio; um homem que cultiva sozinho uma grande área de terra e, ainda, três mulheres cujos maridos trabalham no porto de Le Havre. As histórias, e os retratos, vão se sucedendo como quem vira as páginas de um álbum de família, mas é na relação entre Agnès Varda e JR que o interesse aumenta.
O filme é feito de conversas, e eles se provocam, misturam ideias e cuidados, há empatia, e a música deixa tudo ainda melhor. A união de duas figuras tão diferentes que se identificam de maneira tão forte desde o primeiro encontro, quando o fã JR vai visitar a cineasta em sua casa, traz equilíbrio e acrescenta. Na viagem, visitam o túmulo do fotógrafo e ícone Henry Cartier-Bresson e vão para a costa da Normandia onde, décadas atrás, o fotógrafo Guy Bourdin posou para as lentes da cineasta. Tudo é história, imagem e movimento, mas também memória.
JR, um “digital influencer” com milhões de seguidores, sabe a força das imagens e como criar impacto, e Agnès Varda é cineasta e documentarista das mais talentosas. Em 62 anos de carreira, a diretora nunca havia trabalhado em dupla com ninguém. Ao concordar com o projeto de JR, ela divide com ele mais que a paixão pelas imagens em movimento, mas também a saudade, a nostalgia e a expectativa do que há por vir. O desfecho, uma visita ao “velho amigo” Godard, é de cortar o coração. Mas JR está ali para mostrar que a história continua.
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