Tarso de Castro no irreverente Pasquim (Foto Divulgação)
Tarso de Castro no irreverente Pasquim (Foto Divulgação)

A morte do jornalismo, entre a irreverência de Tarso de Castro e o rigor de Otávio Frias Filho

DaniPrandi_0188c_500Dias após conferir o documentário “A Vida Extra-Ordinária de Tarso de Castro” vem a notícia da morte, nesta terça-feira, 21 de agosto, de Otávio Frias Filho, diretor de redação da Folha de S. Paulo. No final do documentário, “Otavinho”, como era conhecido, é mostrado como um “vilão” e ganha até uma musiquinha irreverente feita pelo humorista Paulo Caruso. Tarso de Castro, jornalista que morreu aos 49 anos, em 1991, representou um jornalismo libertário, sem amarras, que fez do “Pasquim” um exemplo de coletividade onde cada um escrevia como queria. Otavinho, por sua vez, intelectual, jovem herdeiro de uma grande empresa jornalística, inovou por impor rigor editorial. E, não por acaso, quando assumiu, Tarso de Castro, o colunista mais lido e também responsável por grandes inovações no jornal, como o caderno dominical Folhetim, estava entre os demitidos. Não havia mais lugar para ele no Projeto Folha.

Tarso e o filho João Vicente, hoje um "digital influencer" (Foto Divulgação)
Tarso e o filho João Vicente, hoje um “digital influencer” (Foto Divulgação)

Coincidência ou não, esses dois jornalistas que marcaram, de maneira tão diferente o jornalismo brasileiro, se encontram nos meus pensamentos nesta manhã triste, quando fico sabendo que Otavinho, afinal, perdeu a guerra contra o câncer aos 61 anos. Na abertura do documentário vemos uma edição da Folha de S. Paulo sendo impressa, cortada, dobrada e embalada para ser levada às bancas. Uma cena que, nos dias atuais, traz um gosto amargo de saudosismo. Quem ainda lê jornal, afinal de contas? E o jornalismo, principalmente no Brasil, ainda tem alguma relevância diante deste mundo de digital influencers e com legiões de jornalistas desempregados em busca de um plano B?

O documentário sobre Tarso de Castro, gaúcho de Passo Fundo (RS), que também era filho de dono do jornal, é dirigido por Leo Garcia e Zeca Brito, que encontraram uma maneira bem inventiva de colher depoimentos daqueles que beberam e caíram na farra, e foram muitos, com um dos nomes mais icônicos do jornalismo brasileiro recente. O telefone, sempre tão presente na vida do jornalista, que assim que chegava no bar ou na casa de alguém, ou até mesmo nos saudosos orelhões, engatava longas conversas de onde, certamente, sairiam grandes histórias (vale lembrar que estamos muitos anos antes da escravidão do telefone celular). No documentário, muitos dos entrevistados falam ao telefone sobre o retratado e o recurso funcionou muito bem.

Tarso e Candice Bergen: há um clima machista no ar do documentário (Foto Divulgação)
Tarso e Candice Bergen: há um clima machista no ar do documentário (Foto Divulgação)

Tarso de Castro gostava de criar seus próprios jornais e coletividade era a palavra de ordem. No “Pasquim” todos eram donos e as edições decididas no calor das madrugadas dos botequins cariocas. Colecionou amigos e inimigos enquanto driblava a censura da ditadura militar, provocava e esculhambava. Há ainda as mulheres, uma coleção de conquistas que, curiosamente, guardaram um carinho todo especial por ele. Seu maior feito é lembrado, é claro, numa mesa de bar: Tarso de Castro namorou a atriz norte-americana Candice Bergen, uma conquista que o tornou lenda.

Há depoimentos intensos de antigos colegas, como Jaguar, Sérgio Cabral, Luiz Carlos Maciel e também de suas ex-mulheres. O filho, João Vicente, de seu casamento com a estilista Gilda Midani, hoje um dos mais bem-sucedidos nomes deste mundo da internet, um dos sócios do “Porta dos Fundos”, também aparece, em uma sequência final que emociona. João Vicente perdeu o pai ainda criança e mostra sua “herança”, uma caixa de recordações onde estão a carteira recheada de anotações em pedaços de papel, a foto do filho e nenhum dinheiro. Tarso de Castro vivia altos e baixos, umas horas tinha muito dinheiro, em outras emprestava tudo, ou gastava em novos projetos. (Jornalistas, afinal, não sabem lidar com dinheiro e isso é fato.)

Tarso de Castro, jornalista brilhante, de uma outra era da imprensa (Foto Divulgação)
Tarso de Castro, jornalista brilhante, de uma outra era da imprensa (Foto Divulgação)

Tarso de Castro morreu de cirrose hepática e em muitas sequências sua paixão pela bebida fica evidente. Ganhou um irreverente programa de TV e, nos papos etílicos, estavam Tom Jobim, Caetano Veloso, Chico Buarque, Edu Lobo e tantos outros que mudaram de vez a história da cultura brasileira. Ziraldo, um dos “inimigos” de Tarso, não quis participar do filme, assim como Millôr Fernandes, um inimigo feroz que é apontado como um dos articuladores do “golpe” que o tirou definitivamente do “Pasquim”. A lendária entrevista com Leila Diniz é lembrada, assim como uma gravação em que Vinicius de Moraes entorna uma garrafa de uísque durante uma entrevista. E é claro que há um clima machista no ar, já que as mulheres eram somente conquistas naquele ambiente dominado.

Em dado momento, um dos entrevistados lembra que o “Pasquim” chegava a atingir 250 mil pessoas a cada edição enquanto, hoje, um vídeo do “Porta dos Fundos”, passa da casa dos milhões de views. Novos tempos…

 

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Sobre Daniela Prandi

Daniela Prandi, paulista, jornalista, fanática por cinema, vai do pop ao cult mas não passa nem perto de filmes de terror. Louca por livros, gibis, arte, poesia e tudo o mais que mexa com as palavras em movimento, vive cada sessão de cinema como se fosse a última.

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