As apresentações para a imprensa dos filmes que vão chegar aos cinemas geralmente são feitas de manhã, nas chamadas “cabines”. Há filmes que, de tão cativantes, provocam um “choque de realidade” quando voltamos à rua, aos semáforos que não abrem, aos carros que buzinam, aos nossos medos e angústias de cada dia. Como não querer continuar no universo de “A Incrível Jornada de Jacqueline”?
Numa minúscula aldeia em uma árida região da Argélia vive Fatah (Fatsah Bouyahmed), que divide seu tempo entre cuidar de sua horta, de sua família e de sua vaca Jacqueline, não necessariamente nessa ordem. Seu sonho é participar de uma feira de agricultura na França, mas sua inscrição nunca foi aceita. Até que um dia…
Em tom de fábula, “A Vaca”, que por motivos óbvios virou “A Incrível Jornada de Jacqueline” no Brasil já que, por aqui, “vaca” é pejorativo, apesar de toda a candura do animal, o filme acompanha a viagem de Fatah e Jacqueline do vilarejo de Bolayoune a Paris. Detalhe: boa parte da jornada será a pé.
O filme do diretor Mohamed Hamidi segue o esquema do road movie. Por onde passam, Fatah e Jacqueline encontram personagens e vivem situações que expõem o choque de realidade de quem vive e sobrevive bem longe do padrão europeu. É um filme delicado, uma comédia para se deliciar, que passa bem longe da xenofobia, mas muito antenada com seu tempo.
Com o perdão do trocadilho, os moradores de Bolayoune fazem uma “vaquinha” para a viagem. Fatah e Jacqueline atravessam o Mediterrâneo em uma balsa e enfrentam com muita singeleza o primeiro desafio: atravessar a imigração em Marselha.
Em uma parada para se divertir com a apresentação de artistas mambembes, Fatah, que é muçulmano e, assim, nunca bebeu álcool, acaba experimentando poire, a tradicional aguardente de pera. Acaba envolvido em um mal-entendido quando as fotos da noitada acabam chegando ao único computador conectado à internet em Bolayoune. Sua mulher não quer mais falar com ele e o vilarejo se ressente, todos se sentem traídos.
Fatah, então, encontra um protesto de agricultores pelo caminho, participa de uma reunião sem entender direito do que se trata e chama atenção de uma jornalista de TV. Sua pitoresca figura e sua incrível história vão parar no horário nobre e Fatah, chateado com a bebedeira, lamenta em rede nacional: “Foi culpa da pera”.
“Foi culpa da pera”, nesses tempos conectados, acaba virando meme e reproduzido infinitamente pelas redes sociais. Fatah e Jacqueline ganham página no Facebook, conta no Twitter e tudo o mais. Os franceses se mobilizam e torcem para a dupla, mas ainda falta muito para a chegada em Paris.
Na reta final vem a ajuda do cunhado Hassan (Jamel Debbouze), que é casado com uma francesa e tem vergonha de suas origens, e do conde falido Philippe (Lambert Wilson), que enfrenta a ruína financeira apesar de toda a pompa.
Rodado após os ataques ao semanário Charlie Hedbo – tanto que, numa das cenas o protagonista diz: “Somos todos Charlie”- o filme passa bem longe das maldades que afligem o mundo. Há um tom afetuoso que permeia todo o filme e o desfecho é admirável.
E “A Incrível Jornada de Jacqueline” termina onde tudo começou. Com a crença de ainda existe bondade nesse mundo.
Como sair de um filme assim e enfrentar o congestionamento?
Trailer
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