Sentir tristeza, mas não ficar triste. Sentir necessidade de seguir adiante, apesar das perdas, das despedidas, dos medos e daquela velha questão de para onde se vai depois da morte são temas que dominam o melancólico e surpreendente “Coração de Cachorro” (Heart of a Dog), filme experimental da artista performática, compositora, roqueira, escritora e cineasta Laurie Anderson. É um filme difícil de ser classificado, apesar de figurar na categoria documentário. Mas é muito mais.
Laurie Anderson herdou uma cachorrinha terrier de um casal que estava se separando. Lollabelle a acompanhou por toda uma vida e morreu em 2011. Dois anos depois, em 2013, a artista perderia seu companheiro de duas décadas, Lou Reed.
“Coração de Cachorro” poderia ser a dor da viúva. Mas não é. Narrado pela própria artista, o filme reúne animação, efeitos visuais, imagens em 8mm e muita poesia em uma meditação sobre os nossos tempos, tudo a partir da perda de seu querido animal de estimação. É claro que Lou Reed está ali, numa presença sutil, mas intensa. Aliás, sua música “Turning Time Around” serve para “amarrar” todo o filme em seu desfecho.
São tempos pós-11 de Setembro, acompanhados por câmeras que transformam a vida real em um “big brother” neurótico, onde todos são suspeitos até que se prove em contrário. As simbologias são muitas, assim como as referências.
Em uma das sequências, Laurie Anderson conta como Lollabelle, um dia na praia, percebe uma nova ameaça que vem do alto. Até então, seu mundo e seus medos estavam na frente, atrás ou dos lados. Mas, na caminhada até o mar com sua dona, a pequena cachorrinha branca pode ter sido confundida com um coelho pelos gaviões que rondam o céu em busca de caça. Impossível não associar com os aviões que se chocam nas Torres Gêmeas. E todos passamos a olhar mais para o céu, constata.
Laurie Anderson vai repassando acontecimentos que marcaram sua vida e a de Lollabelle. Os passeios pelas ruas do bairro, a doença que levou a cachorra a ficar cega, as aulas de piano e pintura que serviam de terapia para sua companheira canina, até sua morte. É singelo, é triste, é filosófico, mas guarda alguma esperança. Há também fragmentos de vidas passadas, como uma traumática experiência de sua infância, quando salvou seus irmãos menores que caíram em um lago congelado. E as referências sobre sua mãe, que tentava mas não conseguia amar porque não conseguia se sentir amada.
Apresentado no Brasil na Mostra Internacional de Cinema de SP do ano passado, o filme estreou e foi premiado no Festival de Veneza de 2015 e agora entra no circuito alternativo. É puro encantamento, que mistura delírio, o Livro Tibetano dos Mortos, política e muita criatividade, em um fluxo de pensamentos que ganham a telona para, por acaso, questionar a própria validade de se narrar alguma coisa, o que, afinal, é o que nos ajuda a entender o sentido da vida. Ou não.
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Que demais ! Torcer para passar em Campinas ! Bjs