Há tempos que cinema argentino é sinônimo de bom cinema. A cada filme que chega às telas, fica cada vez mais evidente a capacidade dos cineastas “hermanos” de enxergar boas histórias no trivial, sem necessidade de firulas, efeitos ou apelação barata. Um dos diretores que ajudou a formar esse selo de qualidade é Daniel Burman, dos belos e tocantes “O Abraço Partido” (2004) e “Dois Irmãos” (2010), entre outros. Conferi seu filme mais recente, que no Brasil leva o nome de “O Décimo Homem”. No original, o título é “El Rey de Once” (sim, é difícil entender o critério que se usa para mudar os títulos dos filmes…).
Once é o nome do bairro, majoritariamente judeu, em Buenos Aires, onde o protagonista cresceu. Ariel, interpretado por Alan Sabbagh, que está ótimo no papel, é hoje um economista que vive em Nova York. Com viagem marcada para visitar o pai, sua trajetória é marcada por frustrações. Com um pouco de humor e uma pitada de melancolia, o drama familiar vai sendo montado.
O primeiro contratempo de muitos que virão vem a partir de um telefonema, situação que vai se repetir durante todo o filme. Seu pai, Usher (Usher Barilka), é um homem voltado às causas sociais e pede ao filho uma encomenda: calçados com fecho de velcro para um rapaz doente. Ariel roda as principais avenidas do comércio chique de Nova York enquanto se atrasa cada vez mais para a ida ao aeroporto. No meio do caminho, sem os tais sapatos, finalmente descobre que sua noiva não irá com ele na viagem, cujo propósito era justamente apresentá-la ao pai.
A chegada em Buenos Aires gera mais encontros e desencontros. O primeiro tropeço de muitos é justamente o de não ter encontrado o tal calçado com velcro. E há a ausência física do pai, que só se comunica por telefone celular, em ligações que os une e os afasta, nas mais diversas e inusitadas situações.
Ariel, em sua volta para casa, (re)descobre Once e resgata suas origens religiosas enquanto vê-se praticamente obrigado a se despojar de quem é, ou de quem construiu para ser, naquela comunidade carente que tem Usher como um grande salvador. Aos poucos, vamos sabendo que Ariel ressente-se do pai ausente, que prefere a caridade à companhia do filho. E que uma das grandes mágoas do filho foi ter sido preterido em uma apresentação escolar porque o pai aceitou o convite para participar de um funeral judaico, quando são necessários dez homens para o ritual (daí o nome do filme em português!).
A história avança e o tal Usher, sempre pelo telefone, controla a tudo e a todos. Ele vai aparecer? – é a questão para quem assiste. Enquanto isso, entre ritos da religião judaica e encontro com personagens inusitados, Ariel conhece uma bela jovem, Eva (Julieta Zylberberg), uma judia ortodoxa que optou pelo silêncio. Ela não fala, o pai não aparece e o protagonista, enfim, perde o que lhe resta quando suas malas e seu telefone celular são furtados. Ariel desconstrói para reconstruir e, finalmente, entender o que significa “reinar” em Once.
O diretor usa a câmera quase que constantemente na mão e foca nas pessoas do bairro e nos seus tipos: os carentes e os nem tanto; os religiosos, e os nem tanto; os generosos, e os nem tanto, todos em busca de um sentido. Até que vem a necessidade, mais uma vez, de um “décimo homem”.
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