Estupro é arma de guerra e sempre será. A atriz francesa Lou de Laâge, protagonista do filme ‘Agnus Dei’ (Les Innocentes), um dos destaques do Festival Varilux, veio ao Rio de Janeiro para participar do evento e, em todas as entrevistas e debates de que participou, foi questionada sobre a “infeliz coincidência” de um caso ocorrido há 70 anos encontrar paralelo no Rio de Janeiro de hoje. “Os estupros sempre existiram e, provavelmente, vão continuar existindo”, disse a atual queridinha do cinema francês logo após a sessão no Cine Odeon, na Cinelândia, acompanhada pela Agência Social de Notícias. “Por isso, é importante falar sobre isso, para fazer com que a humanidade se torne melhor.”
Em ‘Agnus Dei’, com direção de Anne Fontaine, Lou de Laâge dá vida a uma personagem inspirada na vida real. A jovem médica Madeleine Pauliac, que no filme ganha o nome de Mathilde Beaulieu, estava na Polônia, em 1945, no pós-Segunda Guerra Mundial, trabalhando como voluntária em um hospital da Cruz Vermelha quando uma noviça pediu socorro. As freiras do convento local tinham sido estupradas por soldados russos e, agora, muitas estavam grávidas ou com doenças como sífilis, por exemplo. E nenhuma delas tinha ideia do que fazer. Estavam entre deixar “na mão de Deus” ou quebrar tabus e buscar ajuda médica.
A médica registrou os dados de suas pacientes em um diário que, anos depois, caiu nas mãos de Anne Fontaine e foi usado para a elaboração do roteiro. “Mas seu diário tinha somente informações médicas, não era propriamente um diário do seu cotidiano. Tudo o que se vê no filme foi romanceado, menos o fato dos estupros ocorridos naquele local”, contou a atriz.
A cineasta Anne Fontaine, diretora de “Coco Antes de Chanel” e “Gema Bovary”, entre outros, que não por acaso também tratam de histórias de mulheres fortes, da vida real ou da ficção, também assina o roteiro, junto com mais três colaboradores. “Agnus Dei” se passa durante o duro inverno polonês e Lou de Laâge relata que a diretora levou a equipe para passar dois meses em uma pequena cidade da Polônia, sem conforto ou regalias, e com muita neve ao redor, para as filmagens. “Foi difícil, não dominava a língua, dormia mal e o cansaço que acabei mostrando na tela é bem verdadeiro”, relatou a atriz, vencedora do Prêmio Romy Schneider desse ano, que celebra os novos talentos do cinema francês.
O filme acompanha o drama da jovem médica para cuidar das freiras e tudo tem de ser feito às escondidas para evitar desgraças maiores. Em uma de suas idas e vindas ao convento, a própria Mathilde é atacada por soldados soviéticos, como que para sentir na própria pele o que estava tratando. Mas escapa por um triz.
Aos poucos o perfil da personagem é traçado: filha de pais comunistas, não tem religião e preza pela liberdade. Inexperiente, não terminou seus estudos e conta com um colega médico, judeu, com quem divide as noites de carência e algumas bebedeiras, personagem dono de alguns dos diálogos mais cortantes da trama, para dar vida àquelas crianças geradas pela violência. “O que mais gostei foi que o filme vai além do estupro e mostra a capacidade das pessoas de se reconstruir depois de viver uma violência tão extrema.”
O filme, programado para entrar em cartaz nos cinemas brasileiros em julho, resvala no embate entre religião e razão, mas é o destino dos bebês e da própria médica que gera mais curiosidade na plateia do cinema carioca. São várias perguntas em torno do tema, mas Lou de Laâge lamenta e diz que nada se sabe sobre as crianças, e revela que a médica morreu um ano depois de salvar as freiras, em outro local, em um acidente de carro. Suspiro…
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