Aos sábados, eles sempre iam à padaria. Eles comiam e bebiam de tudo: omelete, pão quente com manteiga, pão de queijo, rocambole, suco de laranja, vitamina, café com leite… Mas a certa altura da comilança, sem mais nem menos, Gumercindo falou: “Mas Fausto é mentiroso”.
Fausto não estava lá, logicamente. Gumercindo logo explicou que depois de certa idade, os quase velhos, como Fausto, eram acostumados a contar muitas histórias. Quase todas verídicas. Quase.
Uma parte delas era engraçada. Só que vinham de outros amigos, normalmente bons contadores de história. Mas que não sabiam que suas histórias estavam sendo repetidas pelo sujeito como se fosse dele. Falsidade pura!
Os olhares caminhavam pela mesa. Na maior parte deles o sentimento era de desconforto. “Fausto iria saber de tudo”, confidenciava um deles. Uns poucos aprovavam a observação e encontraram enfim quem falasse por eles. Canalha!
Só notavam isso quando escutavam o quase velho contar uma de suas histórias, de acordo com o denunciante. Ficavam alegres ou quase. Era uma manifestação verídica. O quase era para não estragar a expectativa do mentiroso, garantia Gumercindo.
Às vezes ficava pensando no assunto. Como podia um cara inventar tanto e com tanta convicção? Talvez a Angélica, a mulher dele, tenha sofrido muito. Eram 30 anos de casamento. Será que essa história aconteceu sempre?
Aconteceu. Desde que se casaram, as piadas surgiam sempre. Quando menos se esperava, de repente Fausto pescava uma palavra na conversa que dava gancho para a história. E os parceiros abriam o sorriso na hora que percebiam que ele começava a soltar bolas na festa. Às vezes Fausto repetia uma piada. Não importava. Era sempre uma piada benquista.
Nesses momentos, se houvesse um bom piadista, ele abria espaço. Se fosse de médio para baixo, ele a interrompia iniciando outra, e outra, e outra. Assim era o Fausto.
Mas a festa de 30 anos de casamento não era uma festa qualquer, uma festinha de aniversário. Os jornais exageraram. Falaram de numa festa gigante que abrigou milhares de pessoas num clube riquíssimo. Imagine?
Gumercindo dizia que tinha pouquíssima gente num clube furreca, e que foi uma tristeza absoluta. As pessoas, muito poucas, estavam à beira do choro. Só não faziam isso para não melar o chão, que já estava uma porqueira de dar dó.
Na festa do casamento, aliás, aos poucos ele foi reunindo amigos em sua mesa -amigos, ah! E depois de cinco minutos, provavelmente menos, o que ele estava fazendo? Contando piada, lógico. E o que fazia aquele montão de gente? Ria, ria, ria. Ria do que? Perguntava-se Gumercindo.
Provavelmente ria da disposição do camarada em chamar dezenas de pessoas para sua mesa. Mas tem graça isso? questionava. Como podia ser tão mentiroso assim?
Em outras vezes‑tinha certeza que eram só outras, raríssimas vezes‑, Gumercindo desconfiava da própria certeza de que nunca mentira na vida. Mas não podia ser. Certas vezes? Quanto que era isso? Ele seria também um mentiroso? Não, não, não.
Gumercindo resolveu enfim assoprar as palavras para longe. Sai demônio. Bastou para aquele dia. E a calma aterrissou em sua cabeça. “Afinal, pessoal, Fausto é um cara legal”.
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