Valdinho estava irremediavelmente a perigo: depois de arruinar — ou ver arruinados — seus últimos três relacionamentos amorosos, estava… como dizer sem machucar? En-ca-lha-dís-si-mo. De mulher, não granjeava nem bom dia em elevador.
Cansado de voltar de mãos — e outros membros — abanando das baladas, lógico que recorreu à santa madre dos desvalidos: a internet. Só que os sites de relacionamento tampouco ajudaram: os poucos encontros às cegas que conseguiu só lhe renderam pretendentes que oscilavam entre dragões mal disfarçados e figuras que nem mulheres eram, de verdade (não que o coitado tivesse preconceito, apenas não era a praia dele).
Foi aí que caiu nas sendas da irmã malvada da santa madre dos desvalidos: a deep web, aquela que não é indexada pelos mecanismos de busca padrão e que, reza a lenda, seria até 5 mil vezes maior que a camada convencional. Só coisa brava, em resumo. Desespero perpétuo encoraja decisões desesperadas…
Após tropeçar em opções esdrúxulas demais, achou um site que prometia rala-e-rola com… súcubus! Bastou uma desviadinha pra Wikipédia pra entender que súcubus são uma espécie de demônio com aparência feminina que invade o sonho dos homens a fim de transar com eles pra lhes roubar a energia vital, mas garantindo muito prazer em troca do… pequeno sacrifício.
A tabela de preços era abusiva, mas parcelavam no cartão, mediante pagamento adiantado (de qualquer forma, sairia mais em conta do que as vodcas com energético que entornava nas baladas vazias). Até ensinavam o encantamento necessário pra invocar as diabinhas, que tinha que ser pronunciado em voz alta, em enoquiano, a língua pretensamente de origem angelical, mas que certos místicos do passado subverteram pra funcionar como ferramenta de magia negra.
Além de dominar a pronúncia cabeluda (o tal enoquiano estava vertido para uma forma foneticamente legível), o ritual era meio complicado, envolvendo velas negra e vermelha, incenso de canela e uma inscrição de próprio punho dizendo, mais ou menos: “Eu invoco e dou autorização a espíritos sexuais que assumam uma aparência cativante de meu gosto nos meus sonhos e me proporcionem momentos de prazer intenso nesta noite. Assim seja, Assim se faça.”
Valdinho estava a perigo, mas ainda não era bobo: lembrou-se do velho e sábio conselho de sempre se preocupar em ler as letrinhas minúsculas que pontuam todo e qualquer contrato. Nem por estar fuçando na zona maldita da web, deveria ser diferente… e não era; achou o parágrafo: “O contratante tem o direito de repetir a encomenda do súcubo por duas vezes além da inicial, caso as ofertas não atendam a seus interesses. Após isso, o contrato perde a validade e o contratante abre mão, inapelavelmente, de cancelar o negócio. Acredite: temos meios de fazer com que isso se cumpra”.
Razoável até, ponderou. Aceitou a parada e combinou o parcelamento. Passou aos preparativos indicados e engoliu umas taças de vinho, pro soninho vir rápido. Ehhh!!!
Logo, na cama, roncou e babou feito um bode esperançoso. Acordou por causa da percepção de que não estava mais sozinho: a penumbra do abajur cor de carne (desculp’aí, tentei evitar, mas parece que você tava pedindo…) deixou-o perceber a bela silhueta feminina que se aproximou de mansinho, mas não de mansinho o empurrou pra um canto da cama (era forte!). Nua, deitou-se de costas, abriu as pernas e ordenou, com voz fria:
— Certo, vem, acaba logo com isso — meio que murmurou a aparição.
— Per’aí, moça: pela tradição dos súcubus, não seria você que viria por cima? — questionou o cara, ainda mal acordado, mas ainda influenciado pelas imagens ofertadas pela Wikipédia.
— Nem sempre: eu sou da estirpe das frígidas e o que só quero é que essa merda acabe logo.
Nem fodendo (literalmente!). Valdinho decidiu recorrer à segunda chance. Mesmo cansado, repetiu a ritualística e invocou sua segunda súcubo. Bebeu mais vinho. Roncou mais um pouco.
Agora, o quarto estava tumultuado por uma espécie de turbilhão. A ruiva ensandecida chegou rodopiando, quebrou o abajur cor de carne e o que mais estava ao alcance dela, rasgou a cortina da janela e se acoplou sobre seu corpo atonitamente estendido de costas na cama (ao menos, essa última parte parecia comportamento típico de súcubus). Com voz irritada, ela rugiu:
— Mexe esse corpinho ridículo aí, mané, e agradeça a teus deuses por eu aceitar o serviço quando tô no auge da TPM!
O quê?! Mandaram outra súcubo bichada?
Terceira e última tentativa: mesmo já bem bêbado, sacou que era a mais bela aparição da noite. Ela caminhou, nua e sensualmente até a cama e… se limitou a sentar numa beirada:
— Oi, pretendente.
— Oi…?
— Seguinte: — começou o ser — antes de nos embrenharmos numa relação… mais intíma, saiba que não abro mão de uma DR preliminar.
— DR?
— Discussão da relação.
Depois dessa, Valdinho até deu graças a deus por ter esgotado a cota de tentativas: vai que, se houvesse mais uma chance, acabaria por invocar um íncubo, que é o macho da espécie (relembrando: não que o coitado tivesse preconceito, apenas não era a praia dele).
Detonou outra garrafa de vinho, com desespero, e dormiu pesado.
Sem sonhos. Nem molhados, nem secos. Apenas um pouco mais pobre.
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