O escritor argentino Daniel Mantovani (Oscar Martínez) aguarda ser chamado para receber o Nobel de Literatura. Mas toda a pompa e circunstância da maior de todas as honrarias do mundo literário caem por terra após o discurso “de agradecimento”, quando o autor faz um manifesto veemente contra “esse tipo de reconhecimento unânime que está relacionado ao declínio de um artista”. O mal-estar é geral e é impossível não lembrar do recente desprezo de Bob Dylan a respeito do mesmo prêmio. A arte imita a vida, ou vice-versa?
Mantovani é o protagonista da comédia dramática “O Cidadão Ilustre”, imperdível novidade no cinema a partir desta quinta-feira, 11 de maio. O filme, premiado no Festival de Veneza do ano passado, tem sua força no roteiro e na direção da dupla Gastón Duprat e Mariano Cohn, a mesma de “O Homem ao Lado” (2009), sobre dois vizinhos que se desentendem por causa de uma janela. De novo, a partir de uma história simples, os cineastas conseguem um bom retrato das picuinhas da vida em uma comunidade ressentida com seu filho famoso.
Após o Nobel, o escritor alcança o status de celebridade. Mas, junto com a fama, vem a falta de inspiração e de vontade de escrever novos livros. Mantovani recusa convites e mais convites para eventos literários ao redor do mundo e (sobre)vive em Barcelona em um cotidiano de tédio.
Até que uma carta o desperta.
Salas, sua cidade-natal, no interior da Argentina, o convida para uma homenagem. Vão dar a ele o título de “cidadão ilustre”, com direito a busto no meio da praça e tal. E o escritor resolve revisitar seu passado 40 anos depois de ter escapado daquela pequena comunidade a cerca de 600 quilômetros de Buenos Aires. “Acho que só fiz uma coisa na vida: fugir de lá”, declara dramaticamente.
Ironicamente, Salas nunca saiu de sua vida pois é das suas experiências, personagens e lembranças que nasceram as histórias de seus livros. Ao percorrer novamente as ruas de chão batido, olhar as casas, o comércio e as pessoas, com uma acertada câmera com um toque documental que deixa tudo ainda mais convincente, Mantovani vai se reencontrar.
O escritor detesta ser reconhecido e é engraçado quando, no avião para a Argentina, o piloto anuncia sua presença. E assim será. Depois de uma chegada conturbada, com direito a ser recebido por um motorista inesperado, em um carro caindo aos pedaços que os deixa a pé no meio do nada, o escritor é obrigado a passar por muitas, mas muitas mesmo, situações constrangedoras, como, por exemplo, desfilar no carro dos bombeiros ao lado da “Princesa da eleza” local.
Pouco a pouco, personagens de seu passado reaparecem, como a ex-namorada, agora casada e com uma filha sedutora e perturbada com a sua presença. Mantovani é recebido com todas as honras mas, pouco a pouco, as máscaras caem. Ressentimentos retornam, novos inimigos surgem, como, por exemplo, o presidente de uma associação de pintores locais cuja obra o escritor não selecionou para a exposição comemorativa. E o autor, fiel ao estilo de não se submeter ao que não aceita, vai aumentando suas inimizades.
Carregado de cinismo, “O Cidadão Ilustre” é um filme sobre vaidades e tem seu ponto alto na interpretação de Oscar Martínez, premiado como melhor ator no Festival de Veneza, que faz com que seu personagem desperte admiração, mas também desprezo. O ritmo é sarcástico, em uma trama que faz rir e faz pensar, com um desfecho simples, mas sensacional. Mais uma vez a Argentina dá a lição de que é possível fazer bom cinema sem muitas invencionices, apelação ou fortunas.
Trailer