Meu sobrinho Gabriel, criado como deve ser (Foto André Sarria)
Meu sobrinho Gabriel, criado como deve ser (Foto André Sarria)

Se sujar faz bem

Andre_PB_400x400Há algum tempo, uma empresa de sabão em pó lançava, na televisão, uma campanha publicitária na qual se dizia que “se sujar fazia bem”. O comercial mostrava crianças totalmente enlameadas pisando em poças de água, outras brincavam com animais, colhiam flores, descalças, ou subiam em árvores enquanto uma voz dizia “se sujar faz bem”.

O anúncio fazia uma óbvia afirmação, a de que se a criança está suja e brincando é porque não está doente. Eu sempre usava esse argumento, o do “se sujar faz bem”, quando levava bronca de minha cunhada raivosa, diante de seus filhos cobertos de lama dos pés ao último fio de cabelo da cabeça.

A cada dia, estudos científicos têm comprovado a importância de uma criança ser exposta a agentes externos, como poeiras, pólen, animais e germes, para desenvolver seu sistema imunológico.

A falta de exposição a microorganismos imunorreguladores, nas sociedades urbanas modernas, está resultando em uma epidemia de doenças inflamatórias, e a causa pode ser pelo excesso de limpeza!

Em uma linguagem mais simples, o sistema imunológico de uma pessoa precisa se desenvolver e, para isso, ele precisa ser exposto a tal agente causador; dessa maneira o organismo reage rapidamente com uma resposta imunológica.

O que está acontecendo em muitos centros urbanos é que muitas crianças possuem uma vida um tanto quanto mais “interna” do que “externa”. Elas vivem em condomínios ou trancadas dentro de casa e, diante do medo de doenças, elas e o meio onde elas vivem são mantidos tão limpos que tudo é quase que esterilizado ao nível de um centro cirúrgico. Dessa maneira, sem contato com o “mundo externo”, seu sistema imunológico não se desenvolve.

Doenças inflamatórias também estão relacionadas com causas de depressão (veja o texto: O demônio que devasta ao meio dia e os cogumelos mágicos), e muitos cientistas estão buscando novos métodos mais seguros e eficientes para tratar a depressão. Talvez, um novo antidepressivo possa ser encontrado já vivendo no seu quintal e naqueles montes enormes de esterco de bois.

Gabriel: terra e água moldando o ser humano (Foto André Sarria)
Gabriel: terra e água moldando o ser humano (Foto André Sarria)

Uma bactéria chamada Mycobacterium vaccae, que vive no solo, tem mostrado efeitos poderosos no tratamento de diversas doenças, dentre elas, a depressão e a asma. Essa bactéria recebeu tal nome porque foi identificada pela primeira vez no esterco de vaca.

Cientistas isolaram a referida bactéria do solo e a cultivaram em laboratório; o material obtido, a partir dessas bactérias mortas, foi utilizado em pacientes com câncer de pulmão que apresentavam sinais de depressão. Ao final do experimento, os cientistas perceberam que todos os pacientes que foram tratados com essa bactéria apresentaram uma significativa mudança de humor, pois, além de estarem mais relaxados e otimistas, reportaram também menos dores e náuseas.

Uma equipe de neurocientistas e imunologistas pode já ter descoberto a causa desse efeito. O caldo dessas bactérias mortas, quando injetado em camundongos, ativou um conjunto de neurônios liberadores de serotonina no cérebro – os mesmos neurônios onde o Prozac atua. Ainda não se sabe exatamente o que tem nesse material produzido pelas bactérias, talvez um novo composto químico, uma proteína, um peptídeo, ou uma mistura deles. O que é importante é que essa bactéria está se mostrando muito promissora e existe uma quantidade grande de pesquisas científicas em cima disso.

Outro estudo, mais recente, envolvendo a asma, mostrou que a nebulização dessa bactéria em ratos protegeu os mesmos contra a asma brônquica, aliviando a inflamação das vias aéreas.

Antes mesmo de se saber da existência dessa bactéria, muita gente já se sentia plenamente feliz, cuidando de sua horta, de seu jardim ou, simplesmente, mexendo na terra.

Confesso que um dos prazeres que tenho é ir ao sítio, tirar os sapatos e colher vegetais frescos da horta que minha avó religiosamente mantém.

Além do saudosismo de nossa infância, o cheiro de terra e de bosta de vaca hoje também tem a sua importância médica. Assim é a ciência: aprendemos com o que a natureza nos dá.

 

Este texto foi escrito sob os sábios conselhos da Dra. Isabel Kinney Ferreira de Miranda Santos, professora do departamento de Bioquímica e Imunologia da Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto.

Deixe as crianças se sujarem, mas não se esqueçam de lavar suas mãos antes delas comerem. Muitos germes que transmitem doenças graves também vivem no solo e para tudo existe uma boa dose de bom senso.

 

Para saber mais:

Identification of an immune-responsive mesolimbocortical serotonergic system: Potential role in regulation of emotional behavior

Neuroscience

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC1868963/

 

Immunization with a heat-killed preparation of the environmental bacterium Mycobacterium vaccae promotes stress resilience in mice

PNAS

http://www.pnas.org/content/113/22/E3130

 

Mycobacterium vaccae nebulization can protect against asthma in balb/c mice by regulating Th9 expression

PlosOne

DOI:10.1371/journal.pone.0161164

Sobre André Sarria

Os certificados e papéis dizem que eu sou cientista, mas prefiro ser mais um "escutador" da natureza do que cientista. A natureza fala e eu a traduzo em linguagem de gente. Nasci em Cajobi e trabalhei em Londres como Pesquisador no Rothamsted Research. Atualmente moro em Madrid onde sou Diretor de Pesquisa e Desenvolvimento em uma empresa Europeia de agricultura.

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Um comentário

  1. Priscila Martins de Alexandre

    Ahhh esses artigos tão deliciosos e cheios de ciência! Vontade de ter diariamente pelas manhãs algo assim para nutrir o cérebro e o coração! Parabéns ao autor e ao site pelo conteúdo!
    🙂