Já andei dizendo por aqui: na cidade alternativa que habitei um dia tinha sempre um poeta cego plantado nas trêmulas esquinas pelas quais eu passava. Ele adivinhava os meus passos e se teletransportava para os pontos de encontro. Sempre com um poema na ponta da alma. Um dia se chamou Calçadão da 13. Era assim:
o mundo está completo primavera covardia
últimos inocentes se exibem no circo em chamas
nus a beijar cometas e navalhas
a cidade em flashes do avesso na carne vítrea dos manequins
putas de voz cava filam cigarros no Calçadão da 13
seus olhos barbitúricos são as comportas da noite
esta noite de ancas trêmulas e quilômetros embaralhados
esta bandeira ensopada de veneno estendida sobre o arco dos pentelhos
neons sanitos esôfagos
baratas breves chamas sujas no intervalo dos passos
oh as pastelarias e seus duendes de musgos róseos de febre
cabeças de caralhos servidas como almôndegas
oh os jardins esses cofres de sombras murchas
todo jardineiro feliz é um coveiro em férias
os detritos se abraçam sem um soluço sem sequer um hino
ao pássaro cor de estrela que goza sufocado no asfalto
as revoluções são coágulos entregues aos portais dos banheiros de bar
oh escoteiro suas medalhas sangram
desde o dia em que seus lábios de menino morto
juraram solenemente que os viventes não têm cu
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o poeta não é mais o vasilhame surdo das estéticas
o poeta caga e anda é um gemido deflagrado o mais mortal de todos
o poeta é o grande faminto que lambe as paredes que têm sal
o poeta é uma lembrança de si entre a sarjeta e a Ursa Maior
e no seu coração de ofídio um estalo de veludo detona a flor narcótica
e se desenrola a barbárie essa obra santa