Logo na bela primeira cena de “Gabriel e a Montanha” já se sabe o destino do protagonista, Gabriel Buchmann, carioca que desapareceu ao escalar sozinho o pico Mulanje, no Malaui, com mais de 3 mil metros de altitude, em 2009. Em um sofisticado plano-sequência de abertura, dois homens cortam capim e um deles encontra seu corpo, desaparecido há 19 dias, em uma história que comoveu família e amigos mas que, agora, ganha amplitude no cinema em um filme impecável, premiado em Cannes, elogiado pela crítica europeia e que finalmente chega aos cinemas no Brasil.
A morte de Gabriel, que no filme é interpretado por João Pedro Zappa, foi o resultado de suas decisões, muitas delas desafios às leis da natureza. No caso “homem versus montanha”, quem perdeu foi o jovem impetuoso, economista interessado em educação social, ou “pobrólogo”, como brincavam os amigos. Sem guia, sem calçado apropriado, sem comida suficiente, o aventureiro, que percorreu 26 países no Sudeste Asiático, Oriente Médio e África em um mochilão de um ano, morreu de hipotermia aos 28 anos depois de subir ao topo do Mulanje. Na descida, um nevoeiro mudou tudo e as imagens guardadas em sua máquina fotográfica são reveladoras – algumas delas são mostradas nos créditos finais, não perca.
Sua morte seria uma lembrança triste entre os amigos do Rio de Janeiro e de Los Angeles, onde Gabriel estudou, se não fosse o diretor Fellipe Barbosa, o mesmo do ótimo “Casa Grande” (2014), seu filme de estreia. O cineasta, colega de Gabriel no colégio São Bento, no Rio de Janeiro, dos 7 aos 17 anos, foca nos 70 últimos dias da viagem pela África, que coincide com o período em que o protagonista reencontra a namorada, Cris, interpretada por Caroline Abras. A equipe percorreu 7 mil quilômetros em quatro países, a bordo de um overland truck (mix de caminhão e ônibus), e escalou amadores para recontar a jornada.
O roteiro leva em consideração, além das fotos, seu caderno de anotações, com muitas descrições detalhadas dos lugares e acontecimentos, os e-mails que mandava para a mãe e a namorada e entrevistas com muitos dos que cruzaram seu caminho pelo Quênia, Tanzânia, Zâmbia e Malaui, como o filme é dividido. Entre ingenuamente recusar o rótulo de turista, apesar de ser o único branco na maioria das situações, e carregar em atitudes egocêntricas, Gabriel é um idealista cheio de si, que às vezes nos agrada, às vezes não, mas não importa.
No caminho cruzamos com personagens que realmente conviveram e conheceram o carioca, que não se separava de sua camisa do Flamengo, mas gostava de se vestir como os locais. Em muitos casos as próprias pessoas, como guias de turismo, interpretam a si mesmos. É um grande achado do filme, que mistura o real e a reconstituição nas doses exatas.
“Gabriel e a Montanha” venceu o prêmio revelação da Semana da Crítica no Festival de Cannes 2017, em maio, e o prêmio da Fundação Gan, um aporte para a distribuição. Logo depois entrou em cartaz em Paris, quando ganhou críticas favoráveis dos jornais Libération e Le Monde, além de quatro páginas na prestigiada revista Cahiers du Cinéma. E, neste mês de novembro, chegou ao Brasil, onde acaba de ser eleito o melhor filme brasileiro da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, e finalmente ganhou lugar no circuito comercial. O júri da Mostra, no comunicado à imprensa, justificou a escolha: “Pela forma original de revelar um universo com olhar aberto ao novo e aos encontros. Pela habilidade de unir atores de formação e de vida, pela coragem de promover o diálogo entre as linguagens”.
TRAILER