Houve um tempo em que poetas eram celebridades como hoje são as estrelas do rock. Atraíam multidões, especialmente mulheres, em apresentações para plateias ansiosas para absorver suas palavras e, enfim, vê-los e ouvi-los frente a frente. Uma dessas grandes estrelas foi o galês Dylan Thomas que, no início dos anos 1950, fez um tour pelos Estados Unidos para declamar seus poemas. O desfecho dessa história, de final trágico, é contada em “Dominion”, do diretor Steven Bernstein.
O filme, um dos 266 títulos em exibição no atual 18º Festival de Cinema do Rio, foca no último dia da vida de Dylan Thomas, um dos grandes nomes da poesia de língua inglesa, que influenciou a geração beat e, posteriormente, “batizou” Bob Dylan (o músico Robert Zimmerman adotou o nome artístico de Dylan em homenagem ao poeta).
Thomas, que estava há alguns meses nos Estados Unidos declamando suas poesias, tomou 18 doses duplas de whisky no bar The White Horse, em Nova York, entrou em coma alcoólico e morreu. Reza a lenda que, antes de desmaiar, ainda disse: “Isso deve ser algum tipo de recorde”. No dia 9 de novembro de 1953 o mundo da literatura perdia, aos 39 anos, uma de suas vozes mais criativas.
“Dominion”, cujo título remete ao seu poema “And death shall have no dominion” (leia no final), é um pequeno grande filme. Principalmente para quem gosta de poesia. O diretor, o mesmo do belo “Como Água para Chocolate”, optou por mostrar, em branco e preto, o último dia de Thomas, mas também jogou aqui e ali pitadas de Shakespeare, São Tomás de Aquino e até um tango, executado por Rodrigo Santoro, o ator brasileiro mais bem-sucedido do cinema estrangeiro. No filme, Santoro é Carlos, o barman que serve as tais fatais 18 doses ao atormentado poeta.
Dylan Thomas é interpretado com muito talento por Rhys Ifans, também do País de Gales, mais conhecido pelo papel do amigo amalucado de Hugh Grant na comédia “Um Lugar Chamado Notting Hill”. Irreconhecível, aliás, na pele do poeta, Ifans dá um show e chega a comprometer o resto do elenco, tamanho o seu talento. Até mesmo John Malkovich, que interpreta seu médico, sai perdendo.
Entre um e outro flashback, os dramas de Thomas vão sendo revelados. Um casamento movido a traições, de ambos os lados, pouco dinheiro, saúde debilitada, alcoolismo e aquela loucura criativa que já fez muita mente brilhante perder a cabeça. Há ainda uma trama paralela, na qual uma universitária, visivelmente apaixonada pelo poeta, põe sua vida acadêmica em risco ao convidar o autor para uma palestra, interpretada por Zosia Mamet, uma das atrizes mais interessantes da nova geração, que integra o elenco da série “Girls”. Coube a ela ser a parceira do tango com Santoro.
Entre soberbas cenas com as apresentações de trechos de seus poemas e muita fumaça de cigarro (Dylan Thomas era um ávido fumante) há momentos no qual as cores ganham a telona para registrar o passado em bucólicos cenários do País de Gales cuja natureza tanto inspirou o poeta. Teatral, romântico, Dylan Thomas ganhou uma homenagem e tanto. Impossível sair do cinema e não buscar um de seus poemas.
And death shall have no dominion
Dylan Thomas
And death shall have no dominion.
Dead men naked they shall be one
With the man in the wind and the west moon;
When their bones are picked clean and the clean bones gone,
They shall have stars at elbow and foot;
Though they go mad they shall be sane,
Though they sink through the sea they shall rise again;
Though lovers be lost love shall not;
And death shall have no dominion.
And death shall have no dominion.
Under the windings of the sea
They lying long shall not die windily;
Twisting on racks when sinews give way,
Strapped to a wheel, yet they shall not break;
Faith in their hands shall snap in two,
And the unicorn evils run them through;
Split all ends up they shan’t crack;
And death shall have no dominion.
And death shall have no dominion.
No more may gulls cry at their ears
Or waves break loud on the seashores;
Where blew a flower may a flower no more
Lift its head to the blows of the rain;
Though they be mad and dead as nails,
Heads of the characters hammer through daisies;
Break in the sun till the sun breaks down,
And death shall have no dominion.
….
E a morte perderá o seu domínio
E a morte perderá o seu domínio.
Nus, os homens mortos irão confundir-se
com o homem no vento e na lua do poente;
quando, descarnados e limpos, desaparecerem os ossos
hão de nos seus braços e pés brilhar as estrelas.
Mesmo que se tornem loucos permanecerá o espírito lúcido;
mesmo que sejam submersos pelo mar, eles hão de ressurgir;
mesmo que os amantes se percam, continuará o amor;
e a morte perderá o seu domínio.
E a morte perderá o seu domínio.
Aqueles que há muito repousam sobre as ondas do mar
não morrerão com a chegada do vento;
ainda que, na roda da tortura, comecem
os tendões a ceder, jamais se partirão;
entre as suas mãos será destruída a fé
e, como unicórnios, virá atravessá-los o sofrimento;
embora sejam divididos eles manterão a sua unidade;
e a morte perderá o seu domínio.
E a morte perderá o seu domínio.
Não hão de gritar mais as gaivotas aos seus ouvidos
nem as vagas romper tumultuosamente nas praias;
onde se abriu uma flor não poderá nenhuma flor
erguer a sua corda em direção à força das chuvas;
ainda que estejam mortas e loucas, hão de descer
como pregos as suas cabeças pelas margaridas;
é no sol que irrompem até que o sol se extinga,
e a morte perderá o seu domínio.
*Tradução Fernando Guimarães (blog Poeticia)
Mais poemas de Dylan Thomas em
http://poeticia.blogspot.com.br/2010/09/poetas-do-mundo-dylan-thomas.html
TRAILER
https://www.youtube.com/watch?v=Yjr5RHTqJwc