Os dois conselhos de Notáveis se reuniam simultaneamente, embora não tivessem consciência disso — nem poderiam, pois significaria a aniquilação de ambas as dimensões. Mais do que coincidência, o motivo era que a situação premente era horrivelmente perigosa para os dois lados.
O fato comum a ambos os conselhos era que tudo dependia do sucesso em refrear os hormônios belicosamente ativados das respectivas rainhas.
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O que intrigava os dois conselhos era o pressuposto de que cada rainha, a rigor, só poderia suspeitar da existência da outra por meras e imprecisas especulações cosmológicas. Assim como acontecia com os habitantes de ambas as dimensões, a maior e a menor.
Em ambas, florescera há tempos a hipótese, baseada em modelos padrão da física (coincidentes, desenvolvidos simultaneamente, mas de forma que uma nunca tenha tido consciência da outra) de que o Big Bang, ao desencadear a formação do universo, deve ter criado uma quantidade exatamente igual de essências correspondentes às duas dimensões. Físicos dos dois lados se convenceram de que cada partícula deveria ter uma “gêmea espelho”, com a mesma massa mas carga elétrica oposta. Decisivos porém efêmeros testes em colisores de partículas corroboravam a ideia.
O problema é que elas não podem existir juntas. Experimentos primários conduzidos em aceleradores de partículas demonstraram que quando se encontram, há uma reação violenta que aniquila ambas em um flash de energia. Por isso, os físicos de ambos os lados acreditam que a maioria das chamadas partículas espelhadas se encontraram e implodiram pouco depois do Big Bang. Só que ninguém conseguiu explicar porque apenas uma das dimensões prosperou a ponto de praticamente dominar o tecido cósmico.
Arrogantes, os estudiosos da dimensão inchada se consideraram seres do universo de “matéria”. E trataram logo de taxar a dimensão que ficou raquítica de “antimatéria”. Embora o sentimento de injustiça permeasse sempre os “anti”, eles acabaram por se acomodar numa relação de indiferença entre as dimensões.
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Por que, então o alvoroço, agora?
Culpa das rainhas, ambas, a seu modo, bem atualizadas em assuntos científicos. Leram, respectivamente, nas revistas Nature e Antinature, que pesquisadores estavam desenvolvendo um método para estudar comportamentos e até visualizar átomos espelho sob luz ultravioleta em experimentos impulsionados por alta energia.
Bastaram algumas horas de acompanhamento das peripécias nos laboratórios pra que as rainhas se apaixonassem perdidamente. Simultaneamente, constituíram equipes de físicos independentes capazes de promover o encontro entre as duas “pombinhas”.
Sem medo de serem felizes
Só os físicos mais convencionais de ambas as dimensões estavam com o cu na mão. Foi assim que, paralelamente, urdiram o mesmo plano anticatatrósfe. Que envolvia uma mentira muito da cabeluda e uma estratégia caprichosa de espionagem capazes de demover as rainhas do sonho idílico. Cada lado inventou que a monarca cobiçada de cada lado estaria de romance com uma entidade chamada… matéria escura.
Lógico que os conspiradores temiam o fato de que a tal matéria escura era ainda mais inexplicável e especulativa do que a dicotomia entre matéria e antimatéria. Contou a favor deles que a decepção amorosa amuou as soberanas a ponto de deixá-las impotentes pra investigações aprofundadas.
O difícil foi aguentar os milênios de chororô desaguado pelos coração e anticoração partidos.
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