O jornal – e o jornalista – agonizam nas redações, mas no cinema o ofício de reportar uma notícia garante boas histórias. O mais recente é “The Post”, segunda vez do roteirista Josh Singer pelo universo onde tudo começa na reunião de pauta. Depois da estreia premiada de “Spotlight”, é hora de contar a história do que viria ser chamado de Papéis do Pentágono. O sabor da nostalgia desce amargo diante da extinção cada vez mais próxima do jornal, principalmente para quem viveu essa história.
O filme é meticuloso em acompanhar como era feito o jornal nosso de cada dia e a saudade que provoca chega a doer depois de mais de 25 anos de jornalismo na vida. Da reunião de pauta à apuração, escrever e editar, paginar, mandar para a gráfica, composição, tinha preta e muita disposição para dobrar, empilhar e amarrar os fardos de jornais, e direto para o caminhão, que vai distribuir as notícias fresquinhas, tudo o que é mostrado me emociona, e a tristeza toma conta quando me lembro dos tantos colegas sem trabalho, da greve por falta de pagamento dos salários, dos jornais minguados que ainda tentam um lugar na banca da esquina, das besteiras que eles trazem, da falta de vontade de ler um jornal, afinal.
O mundo do jornal ainda resiste, mas parece que há data de validade neste universo de telefones que nos acordam com notificações dos quatro cantos do mundo, sobre todo e qualquer assunto pelo qual você por acaso se interessar. Foi escrito/apurado por um jornalista? Não sei. Quem sabe?
Dizem que Steven Spielberg parou tudo o que estava fazendo quando o projeto do filme caiu em suas mãos. Com Tom Hanks e Meryl Streep no elenco, “The Post” é um bom retrato do embate entre o então presidente Nixon e o jornal “Washington Post” no início dos anos 70 para impedir a divulgação de documentos que comprovavam que a Guerra do Vietnã não poderia ser vencida. É incrível a cena em que se vê Nixon, da janela, dando a ordem para quem nenhum jornalista do Post pudesse entrar na Casa Branca. E deu no que deu. Spielberg é competente, sabe o que faz, e o drama de cinco décadas atrás encontra seu paralelo nos EUA de Trump, onde o jornalismo é demonizado e cuja campanha teve por (des)mérito difundir fake news.
Meryl Streep, indicada ao Oscar pelo papel, é a dona do jornal, Kay Graham, uma mulher despreparada, mas que tenta muito se impor no mundo dominado pelas vozes masculinas. Estamos falando de uma história real, e a trajetória de Kay, que herdou o Washington Post do pai e teve que assumir os negócios após o suicídio do marido, faz pensar. A socialite, que convivia com o poder, que recebia para jantares em sua casa integrantes do governo, poderia mesmo apoiar reportagens que iriam prejudicar enormemente seus colegas de festas? E bem no momento quando ia tentar ganhar mais dinheiro, abrindo o capital da empresa? Enquanto isso, na redação, o editor-chefe Ben Bradlee (vivido por Tom Hanks) prepara a bombástica edição que viria a mudar a história da liberdade de imprensa nos EUA. E sem “parem as máquinas”, por favor.
Na esteira do filme, conferi no canal HBO o documentário “The Newspaperman: The Life and Times of Ben Bradlee”, de John Maggio. O editor-chefe do Post, que morreu em 2014, teve participação importante no caso Watergate, que viria de carona após os Papéis do Pentágono e que também rendeu um filme impecável, “Todos os Homens do Presidente”, dirigido por Alan J. Pakula, em 1976. É ele quem narra sua história, com sua voz tirada de um audiobook gravado em 1994, e não esconde nada. Sua amizade com John Kennedy, seu relacionamento com o poder, suas escolhas e a grande mácula de sua trajetória no Post, quando a repórter Janet Cook publicou um texto sobre usuários de drogas e incluiu o relato falso de uma criança drogada. Uma fake news devidamente exposta que custou uma crise de credibilidade e um pedido público de desculpas.
Ao som das máquinas de escrever, o jornalismo, que já foi chamado de “quarto poder”, surge cheio de energia, noites em claro, suado e faminto tanto em “The Post” quanto no documentário sobre seu editor-chefe. Hoje, o jornal, que foi fundado em 1877, vive uma nova história após ser comprado em 2013 pelo fundador da Amazon, Jeff Bezos. Recentemente, o Post apareceu pela primeira vez numa lista das dez empresas mais inovadoras do mundo, e ele era a única empresa do setor de mídia em um grupo com gigantes de tecnologia, como a Apple e o serviço de streaming Netflix.
O jornalismo que o Post pratica sobrevive muito bem no mundo online e o jornal superou a marca de 1 milhão de assinantes digitais em um ano, segundo anunciou em setembro do ano passado. Mas a grande novidade veio do trabalho conjunto entre jornalistas e programadores, que acabou gerando uma nova fonte de receita: o Post passou a comercializar um sistema de publicação, chamado Arc, para outras empresas de mídia, transformando-se numa empresa de software. Alguém aí falou em crise?
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