Sabe aquelas situações em que o universo parece conspirar contra, mas por algum motivo você, teimosamente, insiste? Normalmente, quando isso acontece, o resultado é surpreendente. Aconteceu comigo essa semana e, no final, eu entendi que o propósito era que eu chagasse a uma informação importante pra mim. Parece pouco, mas não é. Era o que eu precisava ouvir sobre democracia e liberdade.
O professor de filosofia Milton Meira do Nascimento, da Universidade de São Paulo (USP), tinha me atendido gentilmente por telefone quando solicitei uma entrevista, mas a agenda dele estava lotada. Ainda assim, ele me pediu que enviasse as questões. O tema era Liberdade. Nada fácil abordar este assunto – pra mim, mas pra ele, autor de “Opinião Pública & Revolução” (Edusp) e “Iluminismo – A Revolução das Luzes”, entre outras publicações, a tarefa não era tão complicada. O problema era o tempo. Esperei mais de duas semanas sem a certeza de que receberia. Mas recebi e valeu a pena.
“Jean-Jacques Rousseau, já no século XVIII, dizia que um povo que escolhe representantes para tomarem decisões no seu lugar, não é livre, é escravo”, atentou o professor. Nossa, que soco na cara! “Então, também na democracia representativa, embora o povo goze de algumas liberdades individuais, como direitos individuais, ele ainda não goza da liberdade maior que é a liberdade política, que é a participação efetiva nas instâncias de tomada de decisão.”
Para nocautear: “A liberdade política ainda é um sonho e continuará sendo até que se construa um regime verdadeiramente democrático, isto é, no qual o povo poderá dizer com todas as letras: ‘Aqui, nós todos decidimos!’.”
Impossível não trazer isso para nossa realidade política atual. A democracia representativa que vivemos hoje é uma falácia, uma ilusão democrática. Basta olhar o Congresso que nós temos, especialmente revelado na votação do impeachment da presidente Dilma Roussef, dia 17 de abril, transmitido ao vivo pela TV. Aquelas pessoas representam elas mesmas, seus próprios interesses e os das suas famílias. Nada mais.
O próprio professor Meira explica o que é democracia representativa, predominante no mundo ocidental moderno e contemporâneo: um regime no qual os representantes do povo, eleitos por este, exercem o poder que o próprio povo transfere a eles por intermédio do voto. Na democracia representativa, o povo escolhe os representantes. Depois disso, não participa mais das decisões, assina a folha em branco, dá a procuração e vira espectador. É isso que não tem dado certo.
Daí vem a pergunta óbvia: se esta democracia deu no que deu, então o que nos resta?
Ainda bem que o professor Milton Meira do Nascimento respondeu: No momento em que o povo deixar de votar em pessoas e começar a votar nas grandes propostas, em programas a serem implementados, teremos dado o primeiro passo para o exercício da liberdade política.
Para não sentar na sarjeta e começar a chorar (sentimento represado nas últimas duas semanas diante de decretos e mudanças na política nacional, nenhuma delas em favor do povo, que passam pela Cultura, Educação, Saúde, Previdência e Recursos Naturais e Energéticos como o Petróleo), é melhor tentar enxergar alguma coisa boa no cenário. Achei uma: A mobilização, a participação popular, as pessoas saindo às ruas ou nos diversos canais disponíveis – falo de manifestações não-agressivas. Essa pode ser uma última esperança. Alguma coisa pode mudar e melhorar neste caminho.
“Mas para que isto se torne realidade será necessária uma reforma política na qual o ponto central seja a tomada de decisão sobre propostas e não na tomada de decisão sobre as pessoas que vão decidir sobre o que o povo precisa”, conclui o filósofo Milton Meira.
Para mim, apesar de tudo, há uma luz no fim do túnel. Ainda que a democracia, como a conhecemos hoje, seja de fato uma ilusão, existem sim outros caminhos. Em vez de votarmos em pessoas, vamos escolher propostas, afinal de contas. E participar. Porque entregar aos representantes nós já vimos que não dá certo.
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