Estive em Mariana (MG) na semana passada para uma reportagem sobre o rompimento da barragem de Fundão que resultou no maior desastre ambiental do País. Um dia antes de eu chegar, tinha acontecido uma manifestação na Praça da Sé, uma das principais da cidade, contra a cultura do estupro. Lamentei não ter chegado a tempo de participar, mas comemorei por ver que em todo canto pipocam protestos por esta causa – aliás, não apenas por esta; eu apoio quase todos os protestos de rua que acontecem hoje no Brasil e no mundo, porque, afinal de contas, primeiramente, Fora Temer!
Eu soube do protesto quando vi os cartazes que continuaram afixados em torno da praça, em frente à igreja, no dia seguinte ao ato. Um deles, já um pouco estragado pela chuva, dizia: “Sua piada machista mata mulheres todo dia!” Muito mais que me solidarizar com as vítimas de estupro e todas as mulheres, eu imediatamente me identifiquei e me enxerguei nesta mensagem, por tantas vezes me sentir “assassinada” por estas piadas.
Aliás, “piadas” entre aspas. “Piadas” que matam muitas vezes a iniciativa da mulher, matam a coragem, matam a espontaneidade, matam a alegria, os planos, o desejo, os sonhos, o prazer e, em alguns casos, matam a própria pessoa, por legitimarem a cultura machista, que é a base da cultura do estupro.
Ainda no século 21, nós ouvimos “piadas” machistas que, para a maioria das pessoas, são vistas apenas como piadas. Que mulher nunca ouviu? E quem pensa que são apenas piadas tem essa postura porque não enxerga o machismo estrutural no qual está inserido. O fato é que o machismo ainda determina quase todas as nossas relações na sociedade.
Lembro-me de uma piadinha, na década de 90, que aparentemente era muito inocente, no entanto era só mais uma manifestação de machismo. O curioso é que, se eu falasse para alguém que achei machista, tenho certeza que ouviria algo como “não exagera”. Acho que ainda ouviria isso hoje também. Na ocasião, foi um colega jornalista, na redação de um jornal, que me disse, do nada: “Aaahhhhh, se você fosse modelo ganharia mais dinheiro que aqui”. Voltou a repetir em tom de brincadeira, com comentários do tipo: “Olha lá, ainda dá tempo”.
Eu banalizei tanto quanto ele a piada e dei risada, apesar de ter me ofendido e me sentido incapaz. Aos 28 anos, na época, eu era muito idiota para esboçar alguma reação sem o medo de ser julgada como “chata” ou “esquisita” – além disso, eu já pagava um preço muito alto por minhas “esquisitices” ou comportamentos fora do padrão, por não pertencer a nenhum grupo com enquadramentos estabelecidos; era, portanto, esquisita, chata, excluída, tudo ao mesmo tempo. Enfim, a piada me matou, oprimiu e diminuiu. Na mesma época, rolava até uma fofoca que eu saía com o chefe, por isso estava ali.
Era década de 90. Nesse tempo, havia uma orientação em alguns jornais para que a capa tivesse sempre uma mulher bonita (não falo de jornal sensacionalista, mas de jornal padrão de notícias), para atrair o leitor (homem). Ninguém sugeria um homem bonito para atrair leitoras. É a mesma lógica das propagandas de cerveja – mas em um jornal? Pois é, isso é fato. Cheguei a protestar sobre o machismo nos jornais em uma palestra onde representei o jornal e, por alguns meses, sofri retaliação. Velada, é claro.
Mas e a piada? Onde está o machismo?
O machismo do cara está na sua incapacidade de ver em uma mulher que o atrai fisicamente a possibilidade dela ser algo além de peça decorativa ou objeto de prazer. O machista só consegue ver uma mulher atraente assim, como forma de satisfação alheia. É como se ele dissesse: este é o seu papel, cumpra e aceite. Daí para um estupro é um pulo, porque se a mulher que ele tem diante de si só pode cumprir este papel na sociedade, ela deve, portanto, satisfazer o seu desejo, sem que para isso ela faça escolha, ou tenha prazer, ou se manifeste.
Triste é ver como há homens assim em toda parte!! Mais triste ainda é ver as mulheres machistas. Entre os homens, alguns não conseguem sequer controlar ou disfarçar. Acho que em alguns casos chega a ser um distúrbio. Mas, ao mesmo tempo, suas “piadas” são aceitas, não são vistas como uma forma de opressão, de coerção, de assassinato da mulher que se coloca no lugar que ele quer estar. Eles matam estas mulheres. Não precisa tirar sangue para matar. Muitas se vêm obrigadas a matar aquela mulher que ela tem em si ou que ela quer ser. Para sobreviver a isso, é preciso nadar contra a maré, superar barreiras, enfrentar obstáculos.
Na mesma proporção em que se torna invisível, o machismo aumenta seu poder sufocante. Assim tem sido nas últimas décadas, séculos, milênios. Quanto mais banalizamos e tornamos natural a opressão à mulher, mais ela ganha força. Daí vem um homem (ou mulher) e diz: Não é bem assim, eu não sou machista, há muito exagero nisso. Nessa hora eu chamo para uma conversa, porque tanto homens quanto mulheres cegos também são, muitas vezes, vítimas do machismo estrutural.
As manifestações pelo fim do machismo e da cultura do estupro que acontecem hoje nas ruas, nas redes sociais e em todos os canais possíveis são obrigatórias e necessárias para que haja mudança. Dentro de casa, com a família, também é preciso romper barreiras e falar abertamente sobre o assunto. Esse é o papel revolucionário da mulher do século 21.
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