Nas escadarias da biblioteca de Londrina (PR), no final dos anos 1980, conheci e virei fã de Mario Bortolotto. Naquela época, suas peças de teatro exalavam uma rebeldia juvenil carregada, com um quê de Charles Bukowski. Bortolotto logo migrou para palcos mais celebrados e hoje é um dramaturgo dos mais respeitados na cena nacional. Londrina virou passado e em um final de tarde frio e cinzento, no Rio de Janeiro, o reencontrei, na telona, em “A Frente Fria que a Chuva Traz”.
Éramos pouquíssimos espectadores naquela imensa sala de cinema do Centro carioca. Bortolotto é o autor da peça que deu origem ao filme e que marca a volta à direção do veterano Neville D’Almeida, de “A Dama do Lotação” (1978), que estava há uns 15 anos sem filmar. Além disso, também atua, em um papel sob medida para seu tipo, um “segurança” melancólico, que serve de testemunha do que está por vir.
O filme é para poucos, com uma metralhadora giratória de palavrões, mas com uma intensa vitalidade para retratar, com todas as cores, a escuridão da juventude carioca bem-nascida que aprendeu desde cedo a acreditar no poder do dinheiro. A rebeldia juvenil continua ali, como força motriz, na história que se passa praticamente toda em uma laje com uma vista deslumbrante do mar.
Por tédio, ou vontade de viver perigosamente, garotas e garotos saem do conforto de suas mansões e coberturas para estacionar seus carros conversíveis na comunidade. Na laje, fazem festas, usam todo o tipo de drogas e experimentam seu poder de sedução. Mas só entre eles, como se estivessem em uma “bolha”. O “segurança” Bortolotto é o encarregado de não deixar ninguém que não seja da turma bem-nascida entrar. É a estratificação da sociedade carioca, com direito a muito rebolado.
O elenco reúne estrelas da Globo, como Chay Suede, belas atrizes e o humorista Michel Melamed, engraçado no papel de uma estrela da música sertaneja contratado para entreter o grupo. A linda Bruna Linzmeyer, no papel de Amsterdan, é a personagem que destoa e que tem como missão dar o tom da degradação, em todos os sentidos, que faz girar a vida daquele núcleo. Seu monólogo final é de doer, um tapa na cara da cidade dita “maravilhosa”, para se remexer (mesmo!) na cadeira do cinema.
De droga em droga, naturais ou sintéticas, a história de cada um daqueles riquinhos é minimamente contada. O sexo é latente mas, apesar de sempre presente, não há cenas que lembrem, nem remotamente, “A Dama do Lotação”. Praticamente não há nudez, só insinuação, e até mesmo em sequências com alto teor de violência erótica, como quando uma das garotas quase é estuprada por dois rapazes da favela, o que se vê é muito mais sugestão do que propriamente ação.
Mas nada dura para sempre. A onda vem, a onda vai. Em uma das sequências Allisson (Johnny Massaro), organizador das festas na laje, é questionado por uma das garotas: “Quando vamos voltar a ter festas em casa, com garçom, com sushi, com hidromassagem?”. A farra está perto do fim, garante o rapaz, já que o inverno está chegando.
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