Eles falam diretamente para a câmera e nos contam sua história. Estão diante de quem? De nós, pelo menos. “Paraíso”, mais recente filme do veterano cineasta russo Andrei Konchalovsky, coloca três personagens em cena, em uma brilhante fotografia em branco e preto, e joga com a ideia de que todos temos que nos explicar quando chega a hora. A bela Olga (Yulyia Vyotskaya), princesa russa que milita na Resistência francesa; o burguês Jules (Philippe Duquesne), um chefe de polícia francês e colaboracionista; e Helmut (Christian Clauss), um jovem da aristocracia alemã que se tornou coronel nazista, têm suas vidas cruzadas na Paris ocupada.
O “paraíso” do título é uma ironia com a ideia de “paraíso” da propaganda nazista de um novo homem em um novo mundo, mas dá a pista definitiva para que a gente entenda com quem, afinal, os três estão falando.
Helmut, que recebeu a ordem do próprio Heinrich Himmler (Victor Sukhorukov) de fiscalizar a corrupção dos comandantes de campos de extermínio, reencontra Olga, que havia sido uma paixão de sua juventude em um verão calorento na Itália, brilhantemente recordado em cenas sensuais e com algumas das mais belas sequências do filme.
Na Paris nazista, Olga resolve ajudar crianças judias e acaba nas mãos do comissário de polícia Jules. Faz o que sabe, joga o jogo da sedução e consegue um certo alívio em sua condição de presa em troca de favores sexuais. Mas o destino interfere de uma maneira surpreendente e a moça vai parar no campo de concentração, onde outros jogos de sedução a esperam. Ao reencontrar Helmut, terá de se despir de sua vida e fazer escolhas definitivas.
O depoimento de Olga nos emociona quando ela se lembra do que teve que fazer para sobreviver e chega a cair um cisco no olho quando lamenta não ter tido filhos. A atriz está forte, e talvez por aparecer de cabeça raspada, despida de todos os enfeites possíveis do mundo feminino, impressiona em sua interpretação com um misto de fragilidade e sinceridade. De seus áureos tempos de beleza e fartura antes da Segunda Guerra aos da sujeira e do medo pela morte na câmara de gás, a personagem é o destaque.
Já o chefe de polícia Jules tem um papel menor na história, mas serve para mostrar como bem viviam os colaboracionistas e o crescente ódio aos judeus que se espalhava em meio a um mundo de frivolidades.
Com “Paraíso”, aos 79 anos, Konchalovsky venceu o prêmio de melhor direção no Festival de Veneza do ano passado e é co-autor do roteiro, em parceria com Elena Kiseleva, a mesma de seu filme anterior, “O carteiro da noite branca” (2014). Mostra vitalidade, surpreende e apresenta mais um filme “que fica” em meio a tantos filmes sob o mesmo cenário.
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