A música é frenética, Renton (Ewan McGregor) está correndo, mas o ambiente é bem diferente do primeiro “Trainspotting”. O escocês maluco que deu o golpe nos não menos malucos Spud (Ewen Bremner), Sick Boy (Jonny Lee Miller) e Begbie (Robert Carlisle) há 21 anos, está correndo na esteira de uma academia lotada. A sequência inicial de “Trainspotting 2”, ou “T2”, que estreia nesta quinta-feira (23 de março), manda logo o recado: o mundo mudou.
David Bowie está morto, o telefone celular comanda nossas vidas, as câmeras de vigilância nas ruas nos lembram que nada escapará, as redes sociais dominam as relações, tem Viagra, tem drogas sintéticas e… Brexit. Neste admirável mundo nem tão novo, o reencontro com os quatro malucos criados pelo escritor escocês Irvine Welsh é inesperado. Ninguém sabia que eles estavam vivos. E ninguém, vamos falar a verdade, estava se importando.
Oficialmente, o cineasta Danny Boyle cismou em fazer a sequência do filme que o levou para um novo patamar na história do cinema pop para “comemorar” os 20 anos do primeiro filme. “Vocé é um turista de sua própria juventude”, filosofa o raivoso Begbie para Renton a certa altura. A frase serve tanto para Boyle quanto para quem assiste, pelo menos para aqueles que estavam no auge da juventude nos anos 90. (Vi o filme em 1996, no lançamento, em Londres, e foi praticamente impossível não fazer turismo em minha própria juventude durante a sessão de “T2”, confesso).
Renton tem stent no coração; Begbie, que passou os últimos 20 anos preso, precisa de Viagra; Sick Boy retoca a raiz do cabelo entre um golpe e outro e Spud… ainda luta para se livrar do vício da heroína. Aos poucos suas vidas alucinantes voltam a se cruzar, em sequências que vão da melancolia ao puro desespero. Renton volta para Edimburgo e é recebido no aeroporto por uma bela garota do escritório de turismo que o dá as boas-vindas. “Você é de onde?”, pergunta. “Eslovênia”, diz a moça.
“T2” mantém o mantra “primeiro a oportunidade, depois a traição” e insere uma nova personagem na trama, a búlgara Veronika (Anjela Nedyalkova), que traz um sopro de juventude ao universo dos junkies escoceses embalados por Iggy Pop, Underworld, Lou Reed e Bowie, entre tantos outros.
Há cenas memoráveis, como o retorno de Renton ao seu antigo quarto e sua coleção de discos de vinil ou o primeiro encontro entre Renton e Begbie, em um banheiro de uma casa noturna, além da galera que canta junto Radio Ga Ga, do Queen, como em transe; há um roteiro repleto de tiradas sensacionais e há a edição que, como no primeiro filme, te deixa quase sem fôlego. Mas, como não há mais o fator-surpresa de 20 anos atrás, o deslumbramento visual servido por Doyle se apega mesmo é na nostalgia. Aqui e ali, em uma frase, um flashback, um trecho de uma música, “T2” brinca com os sentimentos, e tudo aquilo que nos faz lembrar. Por mim tudo bem.
Uma dica: fique até o final só para ouvir “Lust for Life” (“I got lust for life, lust for life”), que faz referências a passagens do livro “The ticket that exploded”, do escritor beatnik William S. Burroughs. Vale lembrar que a melodia foi composta por David Bowie num ukelele. A versão nova é remixada pelo Prodigy. Impossível não sair cantando.
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