"A persistência da memória", do surrealista espanhol Salvador Dalí (1931), no acervo do Museu de Arte Moderna (Moma) de Nova Iorque
"A persistência da memória", do surrealista espanhol Salvador Dalí (1931), no acervo do Museu de Arte Moderna (Moma) de Nova Iorque

Take your time

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No português, a expressão ‘Take your time’ é o equivalente a “Não tenha pressa” ou “Faça no seu tempo”. Mas eu gosto mesmo do que poderia ser a tradução literal: Pegue o seu tempo.

A materialização disso me faz viajar. Como fazer a representação destas palavras? Pegar o tempo com as mãos é fisicamente impossível. Mas pegar o tempo é, efetivamente, pegar a vida. Tempo é vida.

E quem pega a sua própria vida?

Não estamos nós sempre a correr no tempo que nos impõem e nos cobram?

O rush, a pressa, o ‘time’. É o ritmo de uma sociedade que não respeita o tempo de cada um. Não respeita a vida de cada um.

A criança já nasce sob a pressão dos pais que querem vê-la sorrir, engatinhar, andar, ter o primeiro dente, falar e, depois, entrar no tempo das obrigações. Mesmo que a medicina tradicional estabeleça períodos para que isso aconteça, a ansiedade dos pais é enorme para que cada um destes passos do crescimento do filho seja no tempo previsto. Do contrário, há algo de errado com ele. A criança não tem sequer o direito de demorar a falar. Não tem direito ao silêncio.

Ninguém pode vagar.

Na adolescência, é difícil não ouvir um “Já está namorando?” As expectativas não param. O ritmo padrão das coisas vai se impondo. Quando nos damos conta, já estamos a correr atrás do tempo que ‘deve ser’ das coisas e esquecemos do tempo ‘como ele é’.

Os pais usam seu tempo para o trabalho, como deve ser, e não dispõem de tempo para os filhos. Os professores usam o tempo de aula para dar o conteúdo, como deve ser, e não sobra tempo para tirar uma dúvida ou prestar atenção em alguma demanda diferente, uma tristeza ou uma descoberta.

Não há mais tempo para os alunos. Não há mais tempo para os filhos. Porque o tempo “como deve ser” sobrepõe o tempo para a vida.

Nessa pressa, ninguém tem tempo de esperar uma pessoa lenta atravessar a rua devagar. Não dá para esperar a senhora que anda sem pressa na calçada. No trânsito, o carro acelerado atrás da carrocinha não consegue esperar para ultrapassar, porque está sem tempo.

A intolerância está nas ruas.

Quem cresce em ambientes apressados, sem tempo nem tolerância, dificilmente vai se desprender disso nas ruas. A intolerância anda de mãos dadas com a arrogância.

Não respeitar o tempo das coisas e das pessoas é um desrespeito à vida.

Quando percebi que eu já não conseguia pegar com as minhas mãos o meu próprio tempo, foi então que notei que eu precisava tomar pra mim a minha vida. Pegar o meu tempo. Take my own time.

Voltei ao meu tempo de pular amarelinha, tempo de subir em árvore, tempo de ver o tempo, olhando para o mar. Não voltei a fazer isso tudo, como eu gostaria, mas busquei na minha memória. E algumas brincadeiras, de fato, voltei a praticar. Algumas canções voltei a cantar.

A falta de pressa não está associada à preguiça ou à falta de vontade para o trabalho. Nem o tempo de brincar é perda de tempo. A brincadeira é dar tempo ao tempo. É voltar no tempo. E pegá-lo.

Tenho voltado à minha infância para recuperar o meu tempo. Esse exercício de retornar à minha criança eu já pude fazer nas duas oportunidades que meus filhos me deram, porque, como bem me esclareceu uma amiga terapeuta, ter filho é uma grande chance que temos de revisitar nossa infância. É isso que nos faz tão bem, nos amadurece e nos ensina a viver.

Na infância dos meus filhos, por exemplo, voltei a cantarolar as minhas músicas do tempo de criança. Há várias, mas uma das minhas preferidas fala da Lua, que apenas deixa o tempo passar. Cantei para meus filhos e ainda canto pra mim: “Lua bonita, se tu não fosses casada, eu preparava uma escada para ir no céu te beijar. E se colasse o teu frio com meu calor, pedia a nosso senhor pra contigo me casar. Lua bonita, me causa aborrecimento ver São Jorge no jumento pisando no teu clarão. Por que casastes com um homem tão sisudo, come, dorme e faz tudo dentro do teu coração?”

Cá estou eu a remexer na memória para pegar o meu tempo; pegar minha vida nas mãos. E já bem disse Gabriel García Márquez: “A partir de certa idade, qualquer coisa que a gente escreve já faz parte das nossas memórias.” O tempo, por fim, que é vida, é também a persistência da memória.

About Adriana Menezes

Pernambucana de nascimento e cidadã de qualquer lugar. Amante das artes, da língua e da vida em movimento. Por profissão, jornalista; por opção, analista de discurso; por vocação, fazedora de linhas com palavras. Sentimento à flor da pele em tempo integral.

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