Depois do “Oscar branco” de 2016, a expectativa em torno de filmes com temática e elenco negro que poderiam ser incluídos na festa de Hollywood do ano que vem só aumentava. Era preciso preencher, digamos assim, a “cota”, e muitos respiraram aliviados quando “O Nascimento de uma Nação”, no Festival de Sundance, saiu duplamente vencedor, com os prestigiados Grande Prêmio do Júri e Prêmio do Público, em janeiro. Mas a estreia na direção do ator negro Nate Parker, de 36 anos, que também é o produtor e protagonista do filme que reconta, do ponto de vista dos negros, uma violenta rebelião de escravos em 1831, sofreu um revés. Depois de tanta comemoração, hoje é pouco provável que o diretor receba um convite para a festa do Oscar.
O filme foi celebrado pela crítica e sua presença nas principais categorias do Oscar, que não contou com diretores e atores negros nesta temporada, era dada como certa. Mas, até então, ninguém da indústria do cinema sabia que seu criador havia respondido a um polêmico processo por estupro durante sua vida universitária, em 1999, tema de uma ampla reportagem da revista Variety em agosto. Parker e seu colega Jean Celestin, coautor do filme, acabaram absolvidos, mas o caso terminou de maneira trágica, com o suicídio da vítima, em 2012.
O filme foi boicotado após a acusação contra o diretor de que no passado cometeu estupro
A triste coincidência é que, em “O Nascimento de uma Nação”, são justamente os estupros e abusos que as jovens negras sofriam de seus senhores que acabam por desencadear uma intensa rebelião nas fazendas de escravos da Virginia, no sul norte-americano. Depois que o caso Parker-Celestin foi revelado, surgiram críticas negativas ao trabalho e, posteriormente, o filme foi desaparecendo de cena e da mídia enquanto grupos feministas intensificavam campanhas pelo seu boicote.
Mas, independentemente do caso de estupro, vale destacar que “O Nascimento de uma Nação” não foi premiado em Sundance por acaso. O filme, um dos lançamentos da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, tem interpretações seguras e é envolvente, apesar do tom convencional. Por pura provocação, apropria-se do título do clássico de 1915 de D. W. Griffith, tido um dos mais filmes mais racistas de todos os tempos, para contar a história de Nat Turner, um jovem escravo que aprende a ler praticamente sozinho, deleita-se com as palavras da Bíblia e acaba assumindo o papel de um pregador na senzala.
O escravo Nat Turner ( Nate Parker) aprende a ler sozinho e vira um pregador na senzala
Por causa do seu dom da oratória, Nat é usado por seu senhor como instrumento para apaziguar os ânimos dos escravos famintos, maltratados e violados das fazendas da região. E é claro que seu senhor recebe um bom dinheiro por isso. Um dia o jovem conhece e se apaixona por uma jovem escrava, Cherry (Aja Naomi King), casa-se e tudo ia mais ou menos bem até que a moça é violentamente estuprada por caçadores de escravos fugitivos. O pastor informal transforma-se e sai em busca de vingança. Passa a organizar uma rebelião e volta às fazendas onde antes havia pregado a aceitação para incitar a revolta.
O líder rebelde, que se vê como um escolhido de Deus e enxerga, na Bíblia, sua missão de libertar os escravos, tornou-se um dos mártires da história dos negros norte-americanos, um personagem que atravessou os tempos sempre presente em livros, músicas e, agora, no cinema. A história registra que, entre os dias 21 e 23 de agosto de 1831, todos os negros que se envolveram na rebelião foram mortos e, posteriormente, outros tantos foram assassinados para “limpar” a área de qualquer tipo de influência que poderia ter sido deixada por aquela fagulha de desejo de liberdade. Entre os senhores de escravos e suas famílias foram registradas 60 mortes. No filme, as cenas de batalha são muito bem feitas, assim como a caracterização de alguns personagens.
Em “O Nascimento de uma Nação” de 1915, tido como um dos embriões da Ku Klux Klan, o ponto de vista é da elite branca e o contexto está na Guerra da Secessão (1861-1865), que mostra os negros como perigosos, desleais e preguiçosos. Na versão de 2016 são os negros que contam a história e, assim, os brancos são mostrados como bêbados, violentos e… estupradores.
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