Crédito: Dan Flavin/creativecommons.org
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A volta do poeta cego da minha cidade alternativa

 

carlaozinho_0256_400x400Já andei dizendo por aqui: na cidade alternativa que habitei um dia tinha sempre um poeta cego plantado nas trêmulas esquinas pelas quais eu passava. Ele adivinhava os meus passos e se teletransportava para os pontos de encontro. Sempre com um poema na ponta da alma. Um dia se chamou Calçadão da 13. Era assim:

o mundo está completo primavera covardia

últimos inocentes se exibem no circo em chamas

nus a beijar cometas e navalhas

a cidade em flashes do avesso na carne vítrea dos manequins

putas de voz cava filam cigarros no Calçadão da 13

seus olhos barbitúricos são as comportas da noite

esta noite de ancas trêmulas e quilômetros embaralhados

esta bandeira ensopada de veneno estendida sobre o arco dos pentelhos

neons sanitos esôfagos

Crédito: Culture Vulture/creativecommons.org
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baratas breves chamas sujas no intervalo dos passos

oh as pastelarias e seus duendes de musgos róseos de febre

cabeças de caralhos servidas como almôndegas

oh os jardins esses cofres de sombras murchas

todo jardineiro feliz é um coveiro em férias

os detritos se abraçam sem um soluço sem sequer um hino

ao pássaro cor de estrela que goza sufocado no asfalto

as revoluções são coágulos entregues aos portais dos banheiros de bar

oh escoteiro suas medalhas sangram

desde o dia em que seus lábios de menino morto

juraram solenemente que os viventes não têm cu

Crédito: Katie Lips/creativecommons.org
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o poeta não é mais o vasilhame surdo das estéticas

o poeta caga e anda é um gemido deflagrado o mais mortal de todos

o poeta é o grande faminto que lambe as paredes que têm sal

o poeta é uma lembrança de si entre a sarjeta e a Ursa Maior

e no seu coração de ofídio um estalo de veludo detona a flor narcótica

e se desenrola a barbárie essa obra santa

Sobre Carlãozinho Lemes

Antes do jornalismo, meu sonho era ser... astronauta. Meu saudoso pai me broxou: “Pra isso, precisa seguir carreira militar”. Porém, nunca deixei de ir transmutando a sucata anárquica dos pesadelos em narrativas cambaleantes entre ficção científica, uma fantasia algo melancólica, humor insólito e a memória — essa tumba mal lacrada de maravilhas malditas. Assim, é o astronauta precocemente abortado quem proclama: rumo ao estranho e às entranhas!

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