Ainda existem belas, recatadas e do lar porque no mundo há homens que não lavam sua própria xícara de café. O contraponto a este modelo de mulher, publicado por uma revista semanal na última semana como um exemplo da boa e confiável esposa, não são as mulheres risonhas e desinibidas ou trabalhadoras independentes (que invadiram as redes sociais de forma bem-humorada e divertida); o contraponto são homens que dividem o trabalho da casa com a mulher e que têm prazer em ver a parceira realizar-se pessoalmente no trabalho e com autonomia financeira; homens que não se prendem a padrões de …
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No tempo em que ser bancário, estudante e comunista era muito suspeito
Deveria ser apenas mais uma tarde de expediente comum na agência do Banco do Brasil do centro antigo do Recife, mas a rotina foi quebrada pela entrada abrupta de soldados armados do exército que procuravam “o comunista Sarmento”. Foram direto para os andares de cima. O silêncio só foi quebrado no térreo quando, minutos depois, alguém chamou o funcionário Lindolpho, amigo de Sarmento. Era meu pai. Antes de ser levado pelos soldados, Osvaldo Sarmento pediu para falar com um amigo. Para sua surpresa, deram permissão. Mandaram buscar meu pai, que subiu ao sexto andar sem saber, ainda, o motivo. “Estava …
Leia Mais »A ética e a poética das narrativas
Conheci Dalva pessoalmente numa mesinha do Giovanetti 1, no coração de Campinas. Marcamos pelo telefone. O objetivo era que ela, batizada como Maria das Dores, me contasse sua história de vida para avaliarmos a possibilidade de transformá-la em livro. Depois deste primeiro encontro, foram dezenas de entrevistas que resultaram no livro que escrevi em 2004, tornando real seu sonho de contar sua trajetória e falar da fome, da exclusão e da superação. Ainda no bar, quando eu já imaginava os primeiros parágrafos, lembrei de Carolina Maria de Jesus, que escreveu ‘Quarto de Despejo’, outra ex-catadora que na década de 1960 …
Leia Mais »As mulheres que contam suas histórias são mais fortes
Quando eu cheguei ao casarão antigo no Centro de Campinas, onde o SOS Ação Mulher e Família ocupava algumas salas, parecia que eu havia chegado ao local errado. Além da tranquilidade e silêncio que eu não esperava, na primeira recepção a moça não sabia de nenhum agendamento de entrevista, e também achava que a pessoa que eu procurava não estava mais lá. Era primavera de 2015, havia sol e brisa, e eu conversava amenidades com o fotógrafo Adriano Rosa. Continuamos descontraídos e aguardamos sem pressa enquanto tomamos café. Eu não poderia suspeitar que, minutos depois, quatro mulheres que eu conheceria …
Leia Mais »O Desejo de Eva
Uma árvore, um fruto vermelho e o desejo. Era isso que estava diante de mim, lá pelos anos de 1972, quando eu tinha meus 4 ou 5 aninhos. Mas só nestes três elementos se assemelhava à clássica visão do Paraíso, porque eu não estava acompanhada de Adão, nem pelada e tampouco era uma maçã. O principal ponto em comum era o desejo, o mesmo cerceado da mulher nas narrativas da criação e que, neste início do século 21, ainda precisa ser protestado pela mulher que clama por seu direito ao desejo de viver com prazer, e poder falar, decidir, amar, …
Leia Mais »Take your time
No português, a expressão ‘Take your time’ é o equivalente a “Não tenha pressa” ou “Faça no seu tempo”. Mas eu gosto mesmo do que poderia ser a tradução literal: Pegue o seu tempo. A materialização disso me faz viajar. Como fazer a representação destas palavras? Pegar o tempo com as mãos é fisicamente impossível. Mas pegar o tempo é, efetivamente, pegar a vida. Tempo é vida. E quem pega a sua própria vida? Não estamos nós sempre a correr no tempo que nos impõem e nos cobram? O rush, a pressa, o ‘time’. É o ritmo de uma sociedade …
Leia Mais »O meu lugar
Caminho pelo Centro de Campinas nas calçadas de pedras portuguesas, desviando de um buraco ou um desnível, e volto às mesmas pedras descoladas das calçadas do Recife, de mãos dadas com minha mãe, apressada, a percorrer lojas enormes sob as galerias dos prédios antigos com seus pés direitos altos. Sinto-me em casa. Sinto que pertenço a esse lugar. Não sou estrangeira. Não sou estranha. E quando me perguntam “De onde você é?”, preciso elaborar a resposta que me parece simples demais se eu apenas disser que nasci e cresci no Recife, porque carrego em mim o maracatu, o frevo, o …
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