Peça de campanha da OIT contra a escravidão contemporânea
Peça de campanha da OIT contra a escravidão contemporânea

Ratificação do Protocolo da OIT é fundamental para combate ao trabalho escravo no Brasil (DDHH 75 anos – Dia 4, Art.4)

Por José Pedro Soares Martins

A ratificação do Protocolo de 2014 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) à Convenção sobre Trabalho Forçado, de 1930, é fundamental no enfrentamento ao trabalho escravo no Brasil. A posição é do cientista político Paulo Sergio Pinheiro, uma das maiores referências internacionais em direitos humanos. A persistência do trabalho em condições análogas à escravidão contraria o artigo 4 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que completa 75 anos em 2023.

Na época de sua aprovação, na Conferência Internacional do Trabalho em 2014, o Protocolo foi saudado como um importante instrumento para o combate às condições de trabalho análogas à escravidão. O Protocolo entrou em vigor em 9 de novembro de 2016 e a partir de então os países que o ratificaram passaram a ter que cumprir as obrigações nele contempladas. Os países que ratificam o Protocolo devem adotar medidas adicionais às eventualmente existentes para a prevenção, proteção e assistência às vítimas do trabalho forçado, além de permitir que elas tenham acesso à justiça e à compensação.

Para garantir o cumprimento do Protocolo, a OIT possui um sistema de supervisão sofisticado que verifica se os governos efetivamente adotaram as medidas necessárias. O sistema está fundamentado na análise periódica dos relatórios fornecidos pelos países, avaliando as ações e apontando questões, quando necessário. Os resultados dessa supervisão são públicos, o que significa que qualquer pessoa, seja jornalista, ONG ou cidadão, pode acompanhar como um país está cumprindo suas obrigações.

De acordo com o Sistema de Informação sobre Normas Internacionais do Trabalho da OIT, até o momento mais de 50 países já ratificaram o Protocolo, incluindo aqueles democráticos, como Alemanha, Dinamarca, Reino Unido  e Bélgica, e outros historicamente de governos autoritários, como a Arábia Saudita, que já ratificou e onde o instrumento entrará em vigor em 26 de maio de 2022. Nas Américas, já ratificaram o Protocolo o Canadá, Argentina, Chile (entra em vigor em 2022), Costa Rica, Panamá, Peru (em vigor em 2022) e Suriname.

“É uma vergonha o Brasil ainda não ter ratificado”, comenta Paulo Sergio Pinheiro, uma das personalidades que integram a Comissão Arns, como é conhecida a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns. “O Brasil perde, os trabalhadores perdem”, completa Pinheiro, que novamente atribui a não-ratificação, entre outros fatores, à força política dos “proprietários escravocratas, que persistem no Brasil do século 21″.

Paulo Sergio Pinheiro acompanhou a criação em 1995 do Grupo Executivo de Repressão ao Trabalho Forçado (Gertraf), no governo de Fernando Henrique Cardoso. O Gertraf foi substituído em 2003 pela Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae) e, depois, Coordenação Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conaete).

Paulo Sergio Pinheiro: “Escravocratas persistem no Brasil do século 21″ (Foto UN independent international commission of inquiry on the Syrian Arab Republic, Geneva)
Paulo Sergio Pinheiro: “Escravocratas persistem no Brasil do século 21″ (Foto UN independent international commission of inquiry on the Syrian Arab Republic, Geneva)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

“Foi a primeira vez que o Estado brasileiro tomou alguma medida concreta, desde a abolição oficial da escravatura em 1888″, lembra Pinheiro, que foi ministro da Secretaria de Estado de Direitos Humanos do governo Fernando Henrique. Pinheiro é autor dos Princípios de restituição de moradia e propriedade para refugiados e deslocados internamente da ONU [Pinheiro Principles] e integrou a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), da Organização dos Estados Americanos (OEA).

Ele lembra que, no momento de criação do Gertraf, houve especial empenho de Procuradores do Trabalho e da Polícia Federal, para realizar as ações de resgate de trabalhadores em situação análoga à escravidão. “Era um grande trabalho, desse pessoal se deslocar de Brasília até o local dos resgates, pois se as autoridades locais fossem avisadas antecipadamente os proprietários rurais escravocratas certamente seriam alertados”, comenta Pinheiro, para quem o trabalho de enfrentamento da escravidão contemporânea foi depois “reforçado e intensificado nos governos Lula e Dilma”.

Na opinião de Pinheiro, que desde 2011 preside a Comissão de Investigação das Nações Unidas sobre a República Árabe da Síria, o trabalho em condições análogas à escravidão permanece no Brasil “justamente pela resistência dos proprietários escravocratas, que estão no meio rural mas também no urbano, bastando ver a exploração da mão-de-obra de migrantes bolivianos e outros países em empresas na cidade de São Paulo”. Ele também lamenta que “permanece uma cultura de mentalidade escravocrata no Brasil, país por exemplo com maior número de empregados domésticos, em sua maioria negros, o que é um legado da escravidão”.

(4º artigo da série DDHH Já, sobre os 30 artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos no cenário brasileiro. No 4º dia do mês de janeiro de 2023, o artigo corresponde ao Artigo 4: Ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas)

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