A vida do casal estava perfeita. Tudo caminhava com doçura. Ela trabalhava em casa e ele na rua. Ela lavava e cozinhava como se tivesse uma vara de condão. Ele fazia tudo que podia e um pouquinho a mais. E tornou-se um bom trabalhador. Se havia qualquer problema, a primeira coisa que falavam era “chama o Zeca, ele resolve”.
A vida do casal tornou-se exemplar no bairro em que moravam. E todo mundo chamava o Zeca para o que acontecesse. Se havia um problema com um parafuso, que enroscara e não se movimentava nem implorando, a solução estava nas mãos dele. Privada, lâmpada, fusível; tudo. A fama de Zeca começou a espalhar-se para os bairros vizinhos.
Quando tinha feira no bairro, é que eles sentiam que a pobreza chegara ao fim. Todo mundo queria trocar uma proza. “Aquele chuveiro está uma maravilha, aquele lâmpada não mais apaga, aquela descarga soltou de vez as bostas emperradas”…
Um sábado, em que o casal pôde passear pelas ruas do comércio, Zeca descobriu uma camisa linda numa vitrine. Nem perguntou o preço. “Eu quero aquela camisa”. Zelinda – este era o nome dela – assanhou-se: “Eu quero aquele vestido azul”. Zeca achou que estava grande. Ela argumentou então que estava grávida de um menino, o primeiro depois de três meninas.
“Vai chamar-se Zequinha!”, ele gritou. Ela jogou-o contra a vitrine e garantiu: “Vai ser o caralho! O nome dele será Josselino. Não é lindo”? Ele viu seu sonho ir por agua abaixo. Mas olhou bem para Zelinda e comentou: “É lindo”. E ela deixou Zeca escorregar pela vitrine.
Era o tempo da fartura. Ela só ficava de olho na televisão. “Olha que lindo brinquedo para a Joanina! olha que lindo brinquedo para a Zezinha!, olha que lindo o brinquedo para a Antônia!, olha o lindo brinquedo para quando o Josselino nascer”!.
A vida foi assim delicada à espera do macho. Zelinda passava a maior parte do tempo em frente à televisão. E Zeca não saía do trabalho, e comprava presentes que Zelinda encomendara para as filhas e para o filho que estava escondido na barriga da mãe. E voltava para o trabalho.
Um dia Zelinda ficou com muita pena do marido. Como podia trabalhar tanto? E resolveu ir até o lugar onde dissera que era seu serviço. Já estava noite. E não havia sinal do Zeca. Pensou, pensou, e resolveu procura-lo na zona de prostituição. Não sabia de onde viera aquela ideia. Mas foi.
Abriu a porta. Tudo estava um pouco escuro. Mas notou alguém parecido com seu marido. Chegou mais perto. Era ele mesmo que dançava com uma rapariga toda assanhada. Voltou para a entrada da casa, pegou o machado que trouxera e partiu para o ataque.
O machado não se cansava nunca. Era pancada para todos os lados. O primeiro a ser atingido foi o lustre do teto. Depois os vidros das janelas e em seguida todos os vidros e qualquer objeto de madeira que via pela frente. Cansada, falou: “Zeca, vamos para casa”.
Zeca só pensava durante o caminho, em que Zelinda o carregava com força pela mão, como ele iria sair daquela barca furada: “Como vou pagar três anos de prestações da Casas Bahia, prestações que foram repicando sem parar e tornaram-se gigantes? Ele estava agora na pindaíba.
Mas a mulher sorria e estava calma.
Era mesmo curioso. Mas estava calminha, calminha.